26.12.08

edward burns, sidewalks of new york



(rosario dawson e edward burns, sidewalks of new york)

um óptimo filme acerca da sexualidade nos dias de hoje: sidewalks of new york, realizado por edward burns, jovem actor e realizador nova-iorquino. foi o filme que vi ontem. e gostei bastante.

as histórias do filme são muito simples: griffin, um dentista e polígamo inveterado, tem uma amante há 6 meses; annie, a sua mulher, pensa que ele lhe é fiel e acredita piamente na importância da fidelidade e do casamento cristão, mesmo que esse modelo de casamento e a tal "fidelidade" esteja em crise; maria é uma professora, ex-divorciada; tommy é um produtor de televisão cujo relacionamento acabou e que, após a separação, tem um affair com a professora; ben é porteiro de um hotel, ex-marido de maria e que se apaixona por ashley, a amante de griffin. no fundo, é um mosaico de situações e de compromissos, uma teia de emoções como tantas vezes encontramos no dia-a-dia. em alguns aspectos, faz lembrar woody allen (e que filmes sobre relacionamentos em manhattan não o fazem?) e, talvez, a série ultra-famosa sex and the city. foi, aliás, a revista glamour que indicou: "sex and the city with a grittier edge" o que é bom já que estamos a precisar de mais filmes realistas sobre relacionamentos e emoções. de todas as personagens, aquelas que mais me marcaram foi maria, numa excelente interpretação de rosario dawson, frágil, humana e tremendamente urbana e ashley, num registo também ele frágil e realista. no fundo, pessoas que podiam ser qualquer um de nós e não jovens coquettes de hollywood.

ah, e tem também a belíssima heather graham a fazer de annie...



jorge vicente

23.12.08

greener, mark osborne



(imagens de greener)


é no natal e no verão que as grandes produtoras de animação estreiam os seus filmes. pelo menos, nos estados unidos é assim. aqui, em portugal, não sei. um dos filmes com mais sucesso nos últimos tempos (e que estreou no verão) foi kung fu panda, da autoria de mark osborne. confesso que, na altura em que estreou, o filme passou-me completamente despercebido, mas agora, sabendo que o realizador é mark osborne, talvez mude de ideias.

mark osborne é um realizador muito interessante que fez duas das obras mais singulares que já vi em animação nos últimos tempos: more e greener. ambos os filmes estão feitos em claymation e são verdadeiras pérolas.

aqui, o trailer de greener:



um bom natal para todos vós!!!!

jorge vicente

20.12.08

o paciente de cancro, II



(fotografia de cindy sherman, "untitled #153", 1985)


"A determinada altura, contudo, normalmente no final da adolescência, o futuro paciente apaixona-se, arranja um ou dois amigos chegados, consegue um emprego que o satisfaz verdadeiramente ou alcança de outra forma algum grau de felicidade de base exterior ao seu. É incapaz de se atribuir qualquer mérito por essa evolução. Parece pura sorte, mais do que merece, mas por enquanto está tudo bem. Em adulto, continua a caracterizar-se por uma má imagem de si próprio e passividade em relação às suas próprias carências, mas demonstra uma devoção extrema pela outra pessoa, causa ou grupo que se tornou a sua vida.

Mais cedo ou mais tarde - podem ser alguns anos, podem ser décadas - o significado externo desaparece. Os amigos mudam-se, o emprego desaparece ou torna-se menos satisfatório, o cônjuge amado parte ou morre. Estas mudanças acontecem a todos nós e são sempre dolorosas, mas para quem tenha posto todos os ovos no mesmo cesto a perda é incapacitante. Mas normalmente não aparenta sê-lo. Os outros acham que ele está a «reagir muito bem», mas no íntimo existe um vácuo. Todos os velhos sentimentos de indignidade regressam em força e perde-se toda a sensação de significado na vida.

Normalmente a rotina continua. Sendo um dador compulsivo desde a infância, o futuro doente canceroso continua a cumprir os rituais com quem quer que tenha permanecido na sua vida, até se esgotar e exaurir. Ouço repetidamente amigos e familiares dizerem: «Ele era um santo. Porquê ele?». A verdade é que predominam pessoas compulsivamente dignas e generosas nos doentes de cancro porque põem as necessidades dos outros acima das suas. O cancro pode ser designado a doença das boas pessoas. No entanto, são «boas» pelos padrões das outras pessoas. São amantes condicionais. Dão só para receberem amor. Se não forem recompensados pelo que dão, ficam mais vulneráveis à doença que nunca. Geralmente, manifesta-se no espaço de dois anos a partir do momento em que o seu esteio psicológico desaparece." (1)

bernie s. siegel


(1) SIEGEL, Bernie S. - Amor, medicina e milagres. 1ª ed. Lisboa: Sinais de Fogo, 2004. ISBN 972-8541-47-3. pg. 135, 136.

o paciente de cancro



(quadro de egon schiele, "nach links blickendes kind mit roter kappe", 1909)


"O doente canceroso típico, digamos, um homem, sofreu de falta de proximidade com os pais na infância, a falta do tipo de amor incondicional que lhe poderia ter garantido o seu valor intrínseco e a sua capacidade de vencer os desafios. Ao crescer, tornou-se fortemente extrovertido, não tanto devido a uma atracção inata pelos outros mas pela dependência deles para validação do seu próprio valor. A adolescência foi ainda mais difícil para este futuro doente de cancro do que para os outros adolescentes. A dificuldade em estabelecer amizades mais do que superficiais conduziu a uma solidão excruciante e ao reforço de sentimentos anteriores de imperfeição.

Uma pessoa como essa inclina-se a considerar-se estúpida, desastrada, fraca e inepta em jogos sociais ou desportos, apesar de realizações que muitas vezes aão a inveja de colegas. Ao mesmo tempo pode acalentar uma visão do «eu verdadeiro», supremamente dotado, destinado a beneficiar a raça humana com realizações vagas mas transcendentes. Mas esse eu autêntico está cuidadosamente ocultona convicção de que iria prejudicar a aceitação e o amor (subjectivamente) mínimos que a pessoa recebeu. Pensa: «Se eu agir como realmente me sinto - infantil, brilhante, afectuoso e louco - serei rejeitado.»" (1)

bernie s. siegel

(1) SIEGEL, Bernie S. - Amor, medicina e milagres. 1ª ed. Lisboa: Sinais de Fogo, 2004. ISBN 972-8541-47-3. pg. 134.

17.12.08

bandits (barry levinson)



(billy bob thornton, numa cena de bandits)


quando era adolescente, tinha uma admiração especial por bruce willis. ok, não me interpretem mal. naquela altura, a ideia que tínhamos de bruce willis é que era um gajo super divertido, ultra cool, cómico, irreverente. o motivo: a excelente personagem que ele interpretava na série modelo e detective (em inglês moonlighting). quando apareceu assalto ao arranha céus, esperava ver na personagem algo de david addison. mas estava redondamente enganado. bruce willis passou a encarar o "durão", aquele gajo forte que derrotava todos os mauzões que lhe aparecessem à frente. claro que apareceram filmes muito bons depois: pulp fiction, o sexto sentido, mas as lembranças antigas ficaram sempre lá.

no filme de barry levinson, bandits, willis volta a ser cool (ou tenta voltar a ser cool), mas os planos saem um pouco gorados. o filme não é o veículo ideal para voltar à forma antiga: a espontaneidade, aquele sorriso ao pé do lábio que diz tudo. e que david addison tinha. talvez billy bob thornton, o parceiro de bruce willis no filme e que com ele interpreta um duo de ladrões de bancos, esteja mais à vontade para provocar sorrisos no público. e está. billy bob thornton é excelente no ladrão hipocondríaco. e prova-nos que é um excelente actor. mas isso não basta num filme que dá pouco a quem o vê.

os actores não são tudo. o realizador também o é. e barry levinson estava um pouco fora de água.

jorge vicente

16.12.08

"miss gee" (w. h. auden)



(quadro de andre lhote, "anne", circa 1923)


"Let me tell you a little story
About Miss Edith Gee;
She lived in Clevedon Terrace
At number 83.

She'd a slight squint in her left eye,
Her lips they were thin and small,
She had narrow sloping shoulders
And she had no bust at all.

She'd a velvet hat with trimmings,
And a dark grey serge costume;
She lived in Clevedon Terrace
In a small bed-sitting room.

She'd a purple mac for wet days,
A green umbrella too to take,
She'd a bicycle with shopping basket
And a harsh back-pedal break.

The Church of Saint Aloysius
Was not so very far;
She did a lot of knitting,
Knitting for the Church Bazaar.

Miss Gee looked up at the starlight
And said, 'Does anyone care
That I live on Clevedon Terrace
On one hundred pounds a year?'

She dreamed a dream one evening
That she was the Queen of France
And the Vicar of Saint Aloysius
Asked Her Majesty to dance.

But a storm blew down the palace,
She was biking through a field of corn,
And a bull with the face of the Vicar
Was charging with lowered horn.

She could feel his hot breath behind her,
He was going to overtake;
And the bicycle went slower and slower
Because of that back-pedal break.

Summer made the trees a picture,
Winter made them a wreck;
She bicycled to the evening service
With her clothes buttoned up to her neck.

She passed by the loving couples,
She turned her head away;
She passed by the loving couples,
And they didn't ask her to stay.

Miss Gee sat in the side-aisle,
She heard the organ play;
And the choir sang so sweetly
At the ending of the day,

Miss Gee knelt down in the side-aisle,
She knelt down on her knees;
'Lead me not into temptation
But make me a good girl, please.'

The days and nights went by her
Like waves round a Cornish wreck;
She bicycled down to the doctor
With her clothes buttoned up to her neck.

She bicycled down to the doctor,
And rang the surgery bell;
'O, doctor, I've a pain inside me,
And I don't feel very well.'

Doctor Thomas looked her over,
And then he looked some more;
Walked over to his wash-basin,
Said,'Why didn't you come before?'

Doctor Thomas sat over his dinner,
Though his wife was waiting to ring,
Rolling his bread into pellets;
Said, 'Cancer's a funny thing.

'Nobody knows what the cause is,
Though some pretend they do;
It's like some hidden assassin
Waiting to strike at you.

'Childless women get it.
And men when they retire;
It's as if there had to be some outlet
For their foiled creative fire.'

His wife she rang for the servent,
Said, 'Dont be so morbid, dear';
He said: 'I saw Miss Gee this evening
And she's a goner, I fear.'

They took Miss Gee to the hospital,
She lay there a total wreck,
Lay in the ward for women
With her bedclothes right up to her neck.

They lay her on the table,
The students began to laugh;
And Mr. Rose the surgeon
He cut Miss Gee in half.

Mr. Rose he turned to his students,
Said, 'Gentlemen if you please,
We seldom see a sarcoma
As far advanced as this.'

They took her off the table,
They wheeled away Miss Gee
Down to another department
Where they study Anatomy.

They hung her from the ceiling
Yes, they hung up Miss Gee;
And a couple of Oxford Groupers
Carefully dissected her knee."

-- W. H. Auden

(retirado do site http://www.cs.rice.edu/~ssiyer/minstrels/poems/1298.html

15.12.08

Convite para apresentação de dois livros de antónio rebordão navarro






antónio rebordão navarro é um dos grandes nomes da literatura portuguesa. apareçam!

the survivors... where are they



(pintura de fernand léger, "etude pour les acrobats (364)", 1937)


"Jensen também frisou que aqueles cujas imagens mentais e sonhos despertos eram sempre positivos, no sentido de negar a doença ou a possibilidade de morte, tinham poucas hipóteses de sobrevivência. As técnicas de imagens mentais não resultam em pessoas que negam, porque não conseguem aceitar a doença e portanto não participam realmente em combatê-la. Nos desenhos, os repressores-defensivos retratam-se com grandes sorrisos, ilustrando a doença fora do corpo noutra página, ou representando os próprios corpos com fotografias de corpos saudáveis recortadas de revistas" (1)

bernie s. siegel


(1)SIEGEL, Bernie S. - Amor, medicina e milagres. 1ª ed. Lisboa: Sinais de Fogo, 2004. ISBN 972-8541-47-3. pg. 119.

12.12.08

boris pasternak



(quadro de joseph scharl, "femme du monde (society lady)", 1949)


"A grande maioria é obrigada a viver uma vida de duplicidade constante e sistemática. A saúde tem de ser afectada quando, dia após dia, se diz o contrário do que se sente, se rasteja diante do que se detesta e se rejubila com o que nada traz senão azar. O nosso sistema nervoso não é apenas uma ficção, faz parte do nosso corpo físico e a nossa alma existe no espaço e está dentro de nós, como os dentes estão na boca. Não pode ser eternamente violado com impunidade." (1)

boris pasternak


(1) PASTERNAK, Boris apud SIEGEL, Bernie S. - Amor, medicina e milagres. 1ª ed. Lisboa: Sinais de Fogo, 2004. ISBN 972-8541-47-3. pg. 99.

11.12.08

"living loving maid" (jimmy page / robert plant)



(quadro de jean metzinger, "jeune femme pensive aux roses rouges", s/d)


"With a purple umbrella and a fifty cent hat,
Livin', lovin', she's just a woman.
Missus cool rides out in her aged Cadillac.
Livin', lovin', she's just a woman.

Come on, babe on the round about,
Ride on the merry-go-round,
We all know what your name is,
So you better lay your money down.

Alimony, alimony payin' your bills,
Livin', lovin', she's just a woman.
When your conscience hits, you knock it back with pills.
Livin', lovin', she's just a woman.

Tellin' tall tales of how it used to be.
Livin', lovin', she's just a woman.
With the butler and the maid and the servants three.
Livin', lovin', she's just a woman.

Oh, you got it.

Nobody hears a single word you say.
Livin', lovin', she's just a woman.
But you keep on talkin' till your dyin' day.
Livin', lovin', she's just a woman." (1)

led zeppelin

(1) retirado do cd dos led zeppelin, II (1969)

8.12.08

os crimes de amor na etnia maconde



(fotografia de george rodger, "kao-nyar, bracelet fighting, kordofan, south sudan", 1949)


"Se os laços que ligavam os indivíduos aos seus grandes grups de parentes eram mais fortes do que os que uniam os esposos, nem por isso deixavam de existir casos de profunda afeição conjugal, assim como casos de violenta reacção dos maridos em face da traição da mulher. Desta maneira, os sentimentos expontâneos era uma forma de conflito em relação às regras tradicionais da sociedade.

O rapto das mulheres, que já era uma velha tradição entre os Macondes, vai tomando proporções cada vez maiores, porque o marido antigamente procurava vingar-se do sedutor com a catana o que certamente obrigava muitos a desistir dos seus intentos, e hoje contenta-se com uma compensação pecuniária. Como as leis portuguesas reprimem os crimes de homicídio, os maridos receiam as consequências e aceitam a compensação atribuída à família do sedutor." (1)

a. jorge dias


(1) DIAS, A. Jorge - Conflitos de cultura. Estudos de Ciências Políticas e Sociais. Lisboa. Vol. 51 (1961), p. 124.

o homem na etnia maconde



(fotografia de leni riefenstahl, "nuba-ringkämpfer vom stamm der masakin-qisar", 1962-1964)


"Como se comportavam os homens durante todo este período em que a mulher mantinha uma posição económica e social vantajosa? Não se pode dizer que eles se mantivessem inactivos. A caça, que foi durante dezenas e dezenas de milhares de anos uma das maiores actividades masculinas, continuou a ser durante muito tempo uma fonte importante de economia, e ainda hoje, apesar do seu pouco valor económico, comparado com a agricultura, é uma das grandes paixões do Maconde. Os segredos do mato e as práticas mágicas que andam associadas àes expedições cinegéticas serviam ao homem de arma para lutar contra a supremacia feminina. Da mesma maneira que as mulheres, os homens também procuravam transmitir aos rapazes todos os elementos da cultura masculina, quando eles atingiam a puberdade.



(homem maconde)

Eram então tatuados, os dentes eram afilados e eram circuncidados. Além da aprendizagem das técnicas tradicionais macondes: fazer fogo, preparar armadilhas, fazer arcos e flechas, ec., aprendiam danças e canções e a tocar instrumentos, e sobretudo eram iniciados nos grandes segredos dos homens, que, por sua vez, nunca deviam revelar às mulheres. Estes segredos são simbolizados no mapiku, dança com máscara, que tem por finalidade atemorizar as mulheres. O mapiku aparecia antigamente nos terrenos à volta da aldeia, acompanhado pela música de uma série de tambores de vários tamanhos e pelos sons estranhos de grandes trombetas de antílope. O homem que fazia de mapiku tinha de estar completamente tapado para ninguém poder suspeitar que se tratava de um homem." (1)

a. jorge dias


(1) DIAS, A. Jorge - Conflitos de cultura. Estudos de Ciências Políticas e Sociais. Lisboa. Vol. 51 (1961), p. 121, 122.

a noite abrir-se-á



(fotografia de heinrich riebesehl, "ohne titel, aus des serie agrarlandschaften", 1976)


7.

a casa: grande pombal de pele (1). no dizer do jovem poeta. grande habitação branca, onde os antepassados vivem e contam histórias, velhas histórias, daquelas que o demo nos guardou e afastou de deus para que o santo nome da lareira não invocasse o pão e o inverno. a casa: senzala de pretos e senhores da terra, nome de poetas e território imaginado. a utopia dos livros abertos quando nos ausentamos do sentido. a raíz da mãe.

jorge vicente

(1) expressão inspirada no dizer de joaquim nabuco a respeito da senzala: "o grande pombal negro".

a casa



(quadro de emil nolde, "noldes bauernhof seebüll und ein gatter", 1940)


"Antigamente, quando a mulher morria, a casa era destruída ou queimada. Hoje, embora essa tradição tenha acabado, ainda se observa nítida diferença do ritual em relação à palhota, quando morre um dos esposos. Se morrer o homem, quando a viúva volta a casar, o novo marido começa a visitá-la sem que seja necessária qualquer cerimónia. Mas se morre a mulher, são necessárias cerimónias de purificação complicadas para que o marido e os filhos possam habitar a casa da falecida." (1)

a. jorge dias

(1) DIAS, A. Jorge - Conflitos de cultura. Estudos de Ciências Políticas e Sociais. Lisboa. Vol. 51 (1961), p. 120, 121.

o respeito pelos mais velhos, na etnia maconde



(fotografia de shirin neshat, "i am its secret", 1993)


"O respeito do homem pela sogra é muito grande. O genro nunca pode estar sozinho com a sogra, olhá-la nos olhos, ou sentar-se no mesmo banco ou cama que ela. Por sua vez, a nora é obrigada a mostrar o mesmo respeito pela sogra e pelo sogro. Enquanto não der à luz o primeiro filho, não pode falar com eles. No caso de ter de o fazer, é obrigada a pagar um resgate em dinheiro ou em galihas. Se tiver de levar a comida ao sogro, deve virar a cara para não olhar para ele, e quando ele estiver presente, ela nunca deve falar de maneira que ele lhe ouça a voz." (1)

a. jorge dias


(1) DIAS, A. Jorge - Conflitos de cultura. Estudos de Ciências Políticas e Sociais. Lisboa. Vol. 51 (1961), p. 120, 121.

7.12.08

as mulheres macondes, parte II



(quadro de otto mueller, "sitzendes zigeuner-liebespaar", 1919)


"Após a iniciação, a mulher tem um período de grande liberdade sexual e as práticas pré-nupciais são correntes. Os rituais a que se submetem têm o carácter de núpcias potenciais. Pela desfloração ritual a mulher fica liberta de quaisque princípios de castidade e ate ao casamento é livre e pode fazer as experiências que quiser com solteiros e casados. Só aquelas que já têm noivo, sobretudo nos casamentos de preferência, é que não passam por esta fase, porque o casamento, segundo o costume, se realiza logo a seguir aos ritos da puberdade." (1)

a. jorge dias



(1) DIAS, A. Jorge - Conflitos de cultura. Estudos de Ciências Políticas e Sociais. Lisboa. Vol. 51 (1961), p. 119.

as mulheres macondes



(quadro de helmut middendorf, "witches", 1982)


"As mulheres não deixavam entregue ao acaso a educação das raparigas, de maneira a poderem manter a sua posição privilegiada através das gerações. A sociedade feminina a que pertenciam guardava tenazmente os seus segredos e transmitia-os às raparigas que atingiam a puberdade, através de um período de reclusão entrecortado de festas rituais. Este período de vários meses em que as jovens vivem segregadas do convívio da sociedade é dedicado à aprendizagem de uma série de conhecimentos considerados indispensáveis à mulher maconde. Além de conhecimentos de ordem prática, como cozinhar, pilar a farinha, etc, as raparigas são também iniciadas nos segredos das mulheres, que nunca devem revelar aos homens. Neste período fazem também a aprendizagem sexual, na qual são esclarecidas acerca dos seus deveres e direitos em relação ao homem. No último dia, antes de terminar a reclusão, realiza-se um batuque de mulheres, longe da aldeia, que se prolonga pela tarde fora até à noite, cercado de muito mistério. Algumas mulheres, escondidas no mato, imitam o rugido do leão para atemorizar as iniciadas e lhes imprimir bem fundo na memória tudo que se está a passar" (1)

a. jorge dias


(1) DIAS, A. Jorge - Conflitos de cultura. Estudos de Ciências Políticas e Sociais. Lisboa. Vol. 51 (1961), p. 118, 119.

a noite abrir-se-á



(fotografia de man ray, "paris", 1929)


6.

eu digo: chamaremos as mulheres e invocaremos o sacro império do corpo. não existe pedra maior (ou mais bela) do que aquela onde dioniso se esconde, o deus entre os homens, a pedra ante a gélida raíz dos antepassados. formaremos uma roda e imitaremos o som de todos os animais. todo o poema é proibido: só a origem, a hierofania do ritual e da pele contra pele.

jorge vicente

a importância da mulher nas sociedades vindas da agricultura



(quadro de käthe kollwitz, "losbruch", 1903)


"(...) a agricultura deve ter sido uma invenção da mulher, que, de recolectora de plantas silvestres, passou a ser produtora de alimentos vegetais. Esta evolução, quando conduz a formas de economia predominantemente agrícolas, dá à mulher enorme importância económica. Mas supõem alguns autores que nestas duas actividades há implicações mais fundas. Parece, de facto, que algumas sociedades de agricultores ignoravam primitivamente o papel que o homem desempenhava na procriação, pois não eram capazes de estabelecer entre o acto sexual e a fecundação, visto mediar um considerável espaço de tempo entre aquele e os seus efeitos. Isto levou a constituir sociedades em que só a mulher era a transmissora dos direitos de sucessão, desempenhando o homem um papel secundário na família. Ainda hoje parece haver sociedades que não reconhecem o papel do homem na procriação, o que confirma esta hipótese.

Pelo contrário, os povos pastores, habituados a observar nos animais dos seus rebanhos o papel que o macho desempenha na fecundação, puseram muito mais ênfase no homem como transmissor dos direitos de sucessão, chefe supremo da família e origem da linhagem" (1)

a. jorge dias


(1) DIAS, A. Jorge - Conflitos de cultura. Estudos de Ciências Políticas e Sociais. Lisboa. Vol. 51 (1961), p. 115, 116.

cultura masculina e feminina, parte 2



(quadro de erich heckel, "frauen am wasser", 1927)


"De facto, a mulher, não por ser mais fraca, ou menos capaz, mas simplesmente por ser potencialmente mãe, é obrigada a orientar a sua vida dentro da sociedade de acordo com as necessidades resultantes da maternidade.

Primeiro são as consequências primárias, ou sejam as biológicas, depois tudo aquilo que a maternidade implica no plano social, porque a mãe, além de alimentar, proteger e guiar os filhos nos primeiros tempos, tendo em vista a sua sobrevivência, tem ainda a missão de ser a primeira transmissora da herança social do grupo a que pertence." (1)

a. jorge dias



(1) DIAS, A. Jorge - Conflitos de cultura. Estudos de Ciências Políticas e Sociais. Lisboa. Vol. 51 (1961), p. 112.

6.12.08

cultura masculina e feminina



(fotografia de larry clark, "tulsa, from teenage lust", 1973)


"Em geral, todas as sociedades costumam atribuir a cada um dos sexos um determinado número de características, considerads pela tradição como atributos próprios e naturais de cada sexo, e surge sempre uma reacção violenta quando qualquer indivíduo não se comporta de acordo com o costume. Nas nossas aldeias, por exemplo, a mulher deve transportar cargas à cabeça e o homem aos ombros. Um homem que leve um cântaro de água ou uma canastra de peixe à cabeça é ridicularizado, porque é um afeminiado ou maricas.

Na nossa sociedade, de tradição patriarcal, o homem é o representane do sexo forte. É a ele que compete tomar as decisões graves dentro da família, é ele quem deve proteger, alimentar e orientar o grupo familiar. A estas obrigações inerentes à sua natureza biológica da macho estão associados determinados atributos, como o de usar calças, fumar, ir ao café ou à taberna beber, etc. Ora nós assistimos em nossos dias a ua rápida transformação de costumes, como consequência de influências culturais vindas do exterior; de países onde as respectivas posiçõe dos sexos na sociedade são diferentes.

É interessante verificar-se até que já é frequente encontrarem-se grupos de jovens onde a percentagem de fumadores do sexo feminino é mais eleveada do que a do masculino. Porque, se os rapazes há quarenta anos fumavam para provar que já eram homens, hoje são as raparigas que querem provar, não que são homens, mas que não pertencem ao sexo fraco" (1)

a. jorge dias


(1) DIAS, A. Jorge - Conflitos de cultura. Estudos de Ciências Políticas e Sociais. Lisboa. Vol. 51 (1961), p. 111.

4.12.08

mais uma vez maria quintans

carl gustav jung



(quadro de georg baselitz, "ohne titel", 1994)


"E ao lidar consigo próprio o médico deve manifestar a mesma inexorabilidade, consistência e perseverança que manifesta com os seus doentes. Trabalhar em si próprio com igual concentração não é, na verdade, coisa de pouca monta; pois tem de se impôr toda a atenção e juízo crítico que consegue reunir para mostrar aos doentes os seus percursos equivocados, conclusões falsas e subterfúgios infantis. Ninguém paga ao médico os seus esforços introspectivos; e, além disso, geralmente não estamos suficientemente interessados em nós própris. Mais uma vez, subestimamos tão vulgarmente os aspectos mais profundos da psique humana que consideramos o auto-exame ou a preocupação consigo próprio quase mórbidos. Suspeitamos evidentemente de que albergamos coisas deveras nocivas demasiado reminiscentes de uma enfermaria. O médico tem de dominar essas resistências em si próprio, pois quem pode educar os outros não sendo ele próprio educado? Quem pode esclarecer os seus pares estando às escuras quanto a si próprio, e quem pode purificar sendo ele próprio impuro?... O médico já não pode escapar às suas próprias dificuldades tratando das dificuldades dos outros. Deve lembrar-se de que um homem que sofre de um abcesso purulento não está em condições de executar uma operação cirúrgica" (1)

carl gustav jung



(1) JUNG, Carl Gustav apud SIEGEL, Bernie S. - Amor, medicina e milagres. 1ª ed. Lisboa: Sinais de Fogo, 2004. ISBN 972-8541-47-3. pg. 94.

3.12.08

vigaristas de bairro, de woody allen



(imagem do filme small time crooks, de woody allen)


vigaristas de bairro (small time crooks) não é um dos melhores filmes de woody allen nem tão-pouco pretende vir a ser. é apenas um filme com piada, segundo as palavras do próprio realizador. neste filme, allen é ray winkler, um vigarista de baixa roda que sonha fazer o golpe perfeito. para isso, contrata vários dos seus amigos, cada um mais incompetente do que o outro e começam a escavar um túnel para roubar o banco. eventualmente, tudo corre mal, mas a sorte de ray muda e... mais não digo para poderem ver o filme.

como disse, não é um dos melhores filmes de woody allen nem é o melhor filme de gangsters falhados da história do cinema. esse prémio poderá estar reservado a i soliti ignoti, de mario monicelli, com marcello mastroianni, totó, claudia cardinali e vittorio gassman. mas é sempre um filme de woody allen e, como tal, de qualidade.

2.12.08

o poder da música



(escultura de jean pierre seurat, "josephine baker", 1992)


"A música abre uma janela espiritual. A primeira vez que trouxe um leitor de cassetes para o bloco operatório, foi considerado perigo de explosão. Mas pusemo-lo a funcionar a pilhas e as enfermeiras e os anestesiologistas sentiram-se tão melhor que, se eu me esquecia da música, pediam-ma. Agora há leitores de cassetes em quase todos os blocos operatórios cirúrgicos de New Haven.

Um estudo recente no Pacific Medical Center do Hospital Presbiteriano em São Francisco demonstrou que a música atenua a ansiedade, a tensão e a dor em crianças e adultos durante o procedimento traumático de cateterimo cardíaco." (1)

bernie s. siegel

(1)SIEGEL, Bernie S. - Amor, medicina e milagres. 1ª ed. Lisboa: Sinais de Fogo, 2004. ISBN 972-8541-47-3. pg. 81.

haverá uma nesga de céu entre as mãos de quem sofre



(quadro de jean albert mcewen, "hommage au soleil - l'aprés-midi d'un jaune", 1964)


"Não há muito tempo, os blocos operatórios tinham janelas. Era um benefício e uma benção apesar da mosca ocasional que conseguia passar pelas redes e ameaçar a nossa assepsia. Para o insecto aventureiro atraído por um espectáculo tão encantador, um golpe rápido e, já está! A porta para o outro mundo abria-se de par em par. Mas para nós que continuávamos a esforçar-nos, havia a benção do céu, o aplauso e a reprovação da trovoada. Uma consulta Divina estejava nos relâmpagos! E, de noite, nas Urgências, havia a pomba e a longevidade das estrelas para esvaziar o ego de um cirurgião. Não fazia mal nenhum a nenhum doente ter o Céu a espreitar por cima do ombro do médico. Receio bem que, ao entaipar as nossas janelas, tenhamos perdido mais do que a brisa; cortámos uma ligação celestial." (1)

dick selzer


(1) SELZER, Dick apud SIEGEL, Bernie S. - Amor, medicina e milagres. 1ª ed. Lisboa: Sinais de Fogo, 2004. ISBN 972-8541-47-3. pg. 80.



(quadro de rachel gareau, "comme le soleil téclaire", s/d)

"Trabalhar em divisões sem janelas é viver numa selva onde não se consegue ver o céu. Por não haver céu à vista, não há nenhuma visão grandiosa de Deus. Em vez disso, há os inúmeros espíritos fragmentados que espreitam por trás das folhas e sob os riachos. Um não é pior nem melhor do que o outro. Mesmo assim, um homem tem direito ao templo da sua preferência." (2)

bernie s. siegel

(2) idem

1.12.08

a noite abrir-nos-á



(fotografia de helen levitt, "james agee, new jersey"


5.

responde-me se ouvires os pássaros, ou se do teu interior a voz é de guerra, um silvo constante, o boum das palavras grandes, das palavras santificadas pelo uso, mesmo que o uso seja o apanágio da noite - aquela noite que não pertence a ninguém, é apenas nossa e da paisagem que nos cerca:

uma casa,
a ribanceira entre as casas,
um abrigo onde o pastor se alimenta,
o caminho milenar por entre as águas do rio,

um trovão é apenas isso: uma voz sobre o alentejo,
um rumor que rompe o guadiana e nos sobra de pele
e de versos entre os relâmpagos.

sei que tudo sobra, mas a casa é só minha.

jorge vicente