28.11.08

jonathan teplitzky, better than sex



(imagem de better than sex)


josh e cin encontram-se num bar em sydney. conhecem-se e sentem-se atraídos um pelo outro. fazem sexo. a típica one-night stand, sem compromissos, apenas por uma noite, uma entre muitas que, provavelmente, nenhum deles recordará no futuro.

however, there are two words called empathy and chemistry. e nenhum dos dois tem muita pressa em deixar passar a noite (e os dias). e isto apesar de josh morar em londres e ter de regressar três dias depois.

tudo muito típico num filme senão fossem os actores e os diálogos a fazer lembrar, por momentos, when harry met sally e woody allen. recomendado.

jorge vicente



(here comes the trailer)

27.11.08

o sentido de humor quando se está doente



(quadro de ker xavier roussel, "triumph of bacchus, or mythological scene", 1911)


"O sentido de humor é, também, uma enorme vantagem. Muitas vezes quando estou num quarto com um doente «moribundo», estamos a rir. Lá fora no átrio, o resto do pessoal pensa que estamos a negar a realidade. Estamos simplesmente ainda vivos e, portanto, capazes de rir. O pessoal hospitalar tem de compreender que as pessoas não estão «a viver» ou «a morrer». Ou estão vivas ou estão mortas. Enquanto estiverem vivas, devemos tratá-las como tal." (1)

bernie s. siegel



(1) SIEGEL, Bernie S. - Amor, medicina e milagres. 1ª ed. Lisboa: Sinais de Fogo, 2004. ISBN 972-8541-47-3. pg. 73

amanhã no grupo dramático e musical flor de infesta Rua Padre Costa 118



o lançamento da antologia dos Poetas das Tertúlias do Flor de Infesta. Apareçam!

um abraço
jorge vicente

26.11.08

"dandelion" (marcus eoin / michael sandison)



(pintura de eugene carrière, "paysage", 1898-1900)


"when lava pours out near the sea surface, tremendous volcanic explosions sometimes occur

in time, sub-marine sea mounds, or islands, are formed

when lava flows underwater it behaves differently

a new contraption to capture a dandelion in one piece has been put together by the crew
the preperation for a dive is always a tense time

when lava pours out near the sea surface, tremendous volcanic explosions sometimes occur" (1)

(1) retirado do cd dos boards of canada, geogaddi (2002)

do you have confidence and hope in your doctor?



(quadro de eugene carrière, "in mother's arms", s/d)


"A esperança surge, em larga medida, como resultado da fé e confiança do doente no curador. Esse elo é forjado de muitas formas. Algumas coisas essenciais - compaixão, aceitação, disponibilidade, a disposição de prestar informações - são óbvias. É por isso que são tão importantes as visitas pré-operatórias da equipa cirúrgica. Não só ajudam o doente durante a cirurgia como também aceleram a recuperação." (1)

bernie s. siegel



(1) SIEGEL, Bernie S. - Amor, medicina e milagres. 1ª ed. Lisboa: Sinais de Fogo, 2004. ISBN 972-8541-47-3. pg. 73

25.11.08

how much time do i have for living?



(fotografia de roger ballen, "twirling wires", 2005)


"O prognóstico habitual do médico do tempo que resta ao doente é um erro terrível. É uma profecia que se cumpre por si. Tem de se lhe resistir apesar de muitos pacientes estarem sempre a perguntar: «Quanto tempo? Quanto tempo?» Querem que outra pessoa defina os limites da vida em vez de eles próprios tomarem parte nessa determinação. As pessoas que gostam dos seus médicos e que são passivas morrem frequentemente conforme programado, como se para provar que eles tinham razão.

Os clínicos devem deixar de permitir que as estatísticas determinem as suas convicções. As estatísticas são importantes quando se escolhe a melhor terapêutica para uma determinada doença, mas uma vez a escolha feita, deixam de se aplicar ao indivíduo. Deve ser concedida a todos a convicção de que podem recuperar, independentemente das possibilidades." (1)

bernie s. siegel


(1) SIEGEL, Bernie S. - Amor, medicina e milagres. 1ª ed. Lisboa: Sinais de Fogo, 2004. ISBN 972-8541-47-3. pg. 66, 67.

24.11.08

luis durante ou a arte pornográfica



(uma das imagens menos sexuais de luis durante, para não escandalizar a malta. tirada do livro bad girl)

é um pouco complicado falar da obra de luis durante sem se retrair um pouco. ele faz, já ouvi em certo site, arte pornográfica o que, segundo os cânones da nova e da velha moral, não é nada que se recomende. mas esses códigos são para se destruir e devemos salvaguardar apenas aquilo que nos interessa. no caso de luis durante, essa designação é plenamente justa pois ele cria arte, mas arte que vai para além do erótico e para além do "implícito". não é tão explicitamente subtil como roy stuart (que eu adoro) ou realista como larry clark (que também adoro). é mais arte-choque, visualmente parecido com peter greenaway, mas com pele e sexo dentro.

a arte da medicina



(quadro de eugene carrière, "le bock à vernet" (1890-1891)


"A medicina não só é uma ciência como também a arte de deixar a nossa própria individualidade interagir com a individualidade do paciente" (1)

albert schweitzer


(1)SCHWEITZER, Albert apud SIEGEL, Bernie S. - Amor, medicina e milagres. 1ª ed. Lisboa: Sinais de Fogo, 2004. ISBN 972-8541-47-3. pg. 59.

20.11.08

I kings



(quadro de merlin james, "the anvil cloud", 2008)


"There ariseth a little cloud out of the sea, like a man's hand" (1)

I kings


(1) I kings apud PULLMAN, Philip - The Amber Spyglass. London: Scholastic Press, 2001. ISBN 0-439-99414-4. pg. 126.

a noite abrir-nos-á




(fotografia de dieter appelt, "waldungen", 1987)


4.

(para a asia argento)

podia ter acontecido ontem. não aconteceu. ou aconteceu, ou talvez dobrasse, ao fundo da esquina, o que parecia ser um vulto de palidez solitária, daqueles que se encontram quando a noite promete um rosto e uma persiana de abrir e um espaço entre os corpos, quase um mílimetro de sangue ou de ar corporificado. nunca é fácil escrever quando se finge com o sexo e se inventa o vício de todos os escritores que viveram e amaram debaixo de um lençol de pedra.

tu dizes: quando fodo, tudo o mais foge. árvore, plantas, folhas, cedros, todos os animais que me permito inventar. quando fodo, não consigo fingir. é mais um arrepio de alma, a única sombra de realidade que me é possível. é talvez sentir o mesmo que um actor ou uma actriz. será que eles inventam. ou fingem. ou são. ou são num sentido em que não se pode ser, em que se desaparece quando se é. talvez seja uma actriz. ou uma prostituta das palavras.

as palavras nunca se prostituem. são como as pessoas. nunca se vendem nem nunca se encolhem. deixam de estar, apenas. deixam de ser. um vulto entre o vulto. uma pessoa entre uma pessoa. um modo de escrever entre um modo de escrever. e, enquanto o sexo vibra, acha e acontece, a palavra é a única que pode violar a alma.

jorge vicente

new rose hotel ou as agruras da sedução



(imagem de new rose hotel)


parece impressionante. apaixono-me a uma velocidade estonteante. ainda não estava refeito da minha súbita admiração por élodie bouchez, quando me aparece à frente asia argento com a sua sandii, numa interpretação cheia de luxúria e, ao mesmo tempo, maviosa inocência. talvez seja esse o mistério que têm as mulheres europeias: simples e sedutoras; sofisticadas, mas não bonecas de porcelana, como muitas das actrizes norte-americanas.

e abel ferrara aproveita bem esta característica de asia argento no seu filme de 1998, new rose hotel, um filme sobre os subúrbios da espionagem industrial. filmado numa atmosfera noir, narra a história de dois espiões industriais que têm a missão de roubar um dos cientistas mais geniais do planeta a uma organização e entregá-lo a outra, que necessita dos seus serviços. como todas as estratégias foram infrutíferas até à data, asia argento seria a arma perfeita. but lust commands everything and even the most professional spy can fall in love.



(new rose hotel. asia argento e willem dafoe)

abel ferrara esmera-se na construção de uma atmosfera surreal, noctívaga e quase interior. muitas das vezes, ficamos à nora sem saber quando é passado, quando é presente, quando é apenas um pensamento. mas, quem conhecer a fundo (ou apenas um pouco) da obra de ferrara já está à espera desta característica: exploração dos mais fundos meandros da nossa alma. claro que o filme não é para todos até porque ferrara exagerou um pouco nessa característica, tornando o filme demasiado experimental, especialmente na última parte.

jorge vicente

19.11.08

22 olhares em lisboa

Apresentação do livro de Fabiana Bórgia

para os meus amigos brasileiros, não percam o lançamento do novo livro de Fabiana Bórgia. Eu não posso ir porque tinha de atravessar o atlântico a nado, mas vocês, do outro lado do mar, não têm desculpa para faltar!!!! que não percam este lançamento.

jorge vicente

18.11.08

mortel transfert ou os subúrbios da alma



(imagem do filme mortel transfert)


a primeira vez que tive contacto com o cinema de jean-jacques beineix, ainda que indirectamente, foi através do seu filme a diva e os gangsters (diva, no título original). penso que a minha avó, já falecida, ainda teria a sua casa em sintra e terá sido numa das minhas estadias que teria visto a notícia da estreia do filme. ainda com os meus 10/11 anos, tinha-me encantado com o tom quase fantástico que as imagens transpareciam ainda que reproduzidas numa notícia de jornal (teria sido o dia? o música & som?). de qualquer maneira, nunca mais me esqueci do título e da força das imagens, apesar de não me recordar muito delas.

agora, aqui há pouco tempo, reparei que jean-jacques beneix realizara outro filme, transferência mortal (mortal transfert), de 2001 e disponível no mercado de dvd's. vi o filme. confesso que agora estou um pouco mais habituada a essas imagens fortes e que já pouca coisa me encanta como me encantavam e seduziam as imagens que via nos meus 10 anos, ainda que não percebesse o que elas queriam transmitir. talvez seja a perda de encantamento a que mario perniola já referiu. mas adiante: o filme é interessante e gostei das imagens surrealistas, da história, das mulheres. gostei menos de algumas partes de humor. mas, sempre tinha ovidie, la jeune maîtresse du séxe français, as belas valentina sauca e hélène de fougerolles.

a história: michel durand é um psicanalista que passa os dias enfiado entre várias casos: os lamentos de uma professora de matemática e olga kubler, cleptomaníaca e adepta do sado-masoquismo. numa das sessões, sem querer, adormece e, quando acorda, encontra-a morta, estrangulada. terá morto acidentalmente a paciente, quando estava a dormir (sonambulismo), terá sido alguém? as dúvidas são muitas.

eu ainda vou ver se destas imagens o poema acontece.

jorge vicente

17.11.08

ciclo da cidade

Queridos amigos,

como já vos disse, no próximo sábado estarei, conjuntamente com o José Félix e o José Gil, no "Ciclo da Cidade", onde abordaremos temas tão díspares como a Escrita Criativa e a Poesia Urbana. Apareçam. Prometo que, para os mais afoitos, iremos prolongar o convívio até à noite, já não no Palácio da Independência, mas num café do Bairro Alto onde possamos saborear as palavras quentes da Poesia. Alinham?

Um abraço a todos
Jorge Vicente









"one last hurrah" (martin carr)



(quadro de félix edouard vallotton, "le triomphe", 1898)


"Words don't mean a thing they tend to be just
what is said to get by, without a sign, of what
is in your head, words alone cannot condone or
condemn anyone, ease your pain or rearrange
something that's been done, but what's to say
anyway

One last time and then, i couldn't manage
anymore, i know i should think more about it
i know i should try for one last hurrah" (1)

the boo radleys



(1) retirado do cd dos boo radleys, c'mon kids (1996)

excerto de "soneto da fidelidade" de vinicius de moraes



(escultura de kees verkade, "total balance", 1984)


"De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se engane mais meu pensamento.

(...)
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure" (1)

vinicius de moraes


(1) MORAES, Vinicius de apud Agenda cultural de Cascais. Cascais. Nº 35 (Novembro / Dezembro '08), p. 8.

14.11.08

a arte de roubar ou a arte de escrever inglês em linhas portuguesas



(soraia chaves em a arte de roubar, de leonel vieira)


não sei o que passou pela cabeça de leonel vieira quando decidiu filmar a arte de roubar totalmente em inglês. a resposta mais imediata seria: internacionalizar o filme, tornar o filme vendável, apelativo ao mercado internacional. no entanto, perguntamo-nos: será essa decisão uma decisão acertada? na minha opinião, não porque um filme que é rodado em portugal, com actores portugueses, com personagens portuguesas, com situações portuguesas, com os táxis portugueses, até com cantores pimbas portugueses (e esses são os únicos que falam - "cantam" a nossa língua!!) seria muito mais lógico filmar em português. e não me venham com a história de que grupos como os gift, silence 4, fingertips fazem a mesmíssima coisa porque não fazem: uma canção, apesar de toda a sua envolvente de comunicação, é, tal como o poema, essencialmente, um acto solitário. o compositor, tal como o poeta, cria a sua obra de arte sozinho, sem o apoio de todo um conjunto de personagens que o acompanham. o poema e a canção é uma espécie de monólogo que se compartilha. todos temos a liberdade de escrever na língua que quisermos.

no cinema, é bem diferente. o que está perante o ecrã são, no fundo, situações reais ou que mimetizam o real. personagens interagem entre si como se estivessem à nossa frente, vivem, morrem, olham-nos nos olhos, nós olhamo-nas, vivemo-las. para ser o caso da música, os cantores teriam de se dirigir ao seu público em português o que, a acontecer, seria uma afronta tamanha para o público. e é esse o problema deste filme e, também, de todos os outros filmes que, para ganhar audiência, fogem da sua língua original para adoptar a língua estrangeira. e para quê? ganhar o mercado internacional. e apenas isso. se leonel vieira decidisse apresentar o filme em português apenas para o mercado local (o nosso) e em inglês para o resto do mundo, seria muito melhor, mas assim....

e perguntam-me: estás sempre a falar da língua. e do filme, não se fala? eu falo: soraia chaves está deslumbrante (prefiro-a mais discreta, onde se nota pouco), nicolau breyner é excelente como sempre, ivo canelas está excelente. só é pena que o filme seja uma espécie de cópia portuguesa de quentin tarantino. isso para além do que já disse antes.

jorge vicente

p.s.
se querem ver um filme onde se joga bem com as duas línguas: português e inglês, vejam The Lovebirds de Bruno Almeida, maravilhoso!

13.11.08

did john holmes ever slept with a girl from alabama?



(john holmes)


i guess he slept, but he didn't care for sure.

but i care for the most beautiful voice from montana: the little star Patsy Montana for you to enjoy:



("I want to be a cowboy's sweetheart" - Patsy Montana)

let's yodel!!!!

12.11.08

"freedom train" (lenny kravitz)



(quadro de ker xavier roussel, "la danse", 1940)


"It's on the freedom train
Come on dance on the freedom train" (1)

lenny kravitz


(1) retirado do cd de lenny kravitz, let love rule (1989)

7.11.08

too much flesh for sharing



(imagem de too much flesh)


pronto. apaixonei-me pela élodie bouchez. já sabia que ela, um dia, se tinha vestido de anjo. e que respirava as ruas de paris cada dia que se apaixonava. agora, vivendo na américa, respira também a frágil noite americana. e os seus fantasmas. porque ainda há fantasmas na américa, fantasmas vestindo de branco, fantasmas que, embora não viajando de noite, são fantasmas na mesma e aspiram a morte cada vez que se aproximam das pessoas.

no filme too much flesh, de jean-marc barr e pascal arnold, élodie bouchez é juliette, a jovem namorada francesa de vernon, recentemente regressado à comunidade onde nasceu. lyle, o seu melhor amigo e protagonista do filme, tem um problema grave de índole sexual que o impede de ter relações sexuais com mulheres (no, it's not impotence it's something like a huge penis). juliette é quem lhe vai re-ensinar a amar e a experimentar o doce poder do desejo. no entanto, a tragédia pode acontecer a qualquer momento.

élodie bouchez respira sensualidade por todos os poros, jean-marc barr (o realizador e o principal protagonista) inocência e rosanna arquette (esposa de lyle) tolerância. um filme para reter. e não liguem aos comentários desagradáveis dos críticos.

jorge vicente

Encontro de Blogs em Borba, 9 de Novembro

Convite: Lançamento da Colectânea 22 Olhares, pela Edium Editores

6.11.08

a noite abrir-nos-à



(quadro de pierre roussel, "olivier à la lampe rouge", 1963)

3.

as palavras são vertigens de noite
encontradas no meio da rua -
tropeçam, deixam cair, doem,
amanhecem com a dor dos homens
e das plantas que crescem nos
telhados.

no telhado, não se ouve o chão, é talvez preciso deitarmo-nos, arrastarmos os olhos e ouvirmos. não se ouve com o corpo, ouve-se com os olhos e com o sexo. as palavras escorrem, fazem birras, deitam-se connosco. morrem de enfarte e olham as nuvens que se estreitam entre os alvéolos da atmosfera e as cordilheiras do chão.

só assim será possível a liberdade.

jorge vicente

rainer maria rilke



(quadro de maurice denis, "solitude", 1913)


"Não creiais que aquele que procura consolar-vos agora vive despreocupado no meio das palavras simples e tranquilas que por vezes vos fazem bem. A sua vida tem muita dificuldade e tristeza e fica bem aquém da vossa. Se fosse de outro modo ele nunca teria sido capaz de encontrar essas palavras" (1)

rainer maria rilke



(1) RILKE, Rainer Maria apud SIEGEL, Bernie S. - Amor, medicina e milagres. 1ª ed. Lisboa: Sinais de Fogo, 2004. ISBN 972-8541-47-3. pgs. 52.

are we free men or slaves?



(fotografia de gundula schulze eldowy, "selbstportrait mit robert frank", 1990)


"Alguma vez observaram que existem duas classes de doentes [...] escravos e homens livres? E os médicos de escravos correm de um lado para o outro e curam os escravos ou esperam-nos nos dispensários. Os profissionais deste tipo nunca falam individualmente com os doentes nem os deixam falar sobre as suas queixas individuais. O médico de escravos receita o que sugeres a mera experiência, omo se tivesse um conhecimento exacto; e depois de dadas as suas ordens, como um tirano, apressa-se a dirigir-se a outro servo que esteja doente.

[...] Mas o outro médico, que é um homem livre, atende e exerce em homens livres; e leva as suas investigações mais atrás e vai à natureza da perturbação; envolve-se em discurso com o paciente e com os seus amigos e, ao mesmo tempo que obtém informações do homem doente, dá-lhe instruções à medida das suas capacidades e não lhe receita até o ter previamente convencido.

[...] Se um desses médicos empíricos, que praticam a medicina sem ciência, encontrasem o médico cavalheiro a conversar com o seu paciente cavalheiro utilizando linguagem próxima da filosofia, começando no início da doença e discorrendo sobre toda a natureza do corpo, explodiria de riso. Diria o que a maior parte daqueles a quem chamam doutores têm sempre na ponta da língua: «Homem insensato», diria: «não estás a curar o homem doente, mas a educá-lo; e ele não quer ser doutor mas sim curar-se.»" (1)

platão


(1) PLATÃO apud SIEGEL, Bernie S. - Amor, medicina e milagres. 1ª ed. Lisboa: Sinais de Fogo, 2004. ISBN 972-8541-47-3. pgs. 50-51.

os três tipos de doentes



(quadro de emil nolde, "patient, doctor, death and the devil", 1911)


"Depois da minha experiência com os Simontons, com a ajuda da minha mulher, Bobbie, e de Marcia Eager, então enfermeira no meu consultório, iniciei um grupo de terapia chamado Pacientes de Cancro Excepcionais (ECaP), para ajudar as pessoas a mobilizar todos os seus recursos contra a doença. Adoptámos como manual o livro recentemente publicado dos Simontons, Getting Well Again, e enviámos centenas de cartas a doentes. A carta sugeria que os podíamos ajudar a viver melhor e mais tempo através das técnicas que os ECap lhes ensinaria. Esperávamos centenas de respostas. Pensávamos que todos os que recebessem uma carta falassem com mais alguns pacientes de cancro e os trouxessem à reunião. Afinal de contas, pensava eu, viver não é o que toda a gente quer? Não há tantos doentes que vão até ao fim do mundo à procura de todas as espécies de tratamentos alternativos que ofereçam um laivo de esperança? Comecei a enervar-me acerca de como lidar com a multidão que ia aparecer.

Apareceram doze pessoas.

Foi aí que comecei a aprender, em primeira mão, como são realmente os doentes. Descobri que há três tipos.

Cerca de quinze a vinte por cento dos pacientes, inconsciente ou mesmo conscientemente, querem morrer. A certo ponto saúdam o cancro ou qualquer outra doença grave como forma de escapar aos problemas através da morte ou da doença. São estes os doentes que não manifestam sinais de tensão quando conhecem o diagnóstico. Enquanto o médico batalha para os pôr bons, eles resistem e tentam morrer. Se lhes perguntam como estão, dizem: «Óptimo.» E o que os preocupa? «Nada.»

(...)

No meio do espectro de doentes situa-se a maioria, cerca de 60 a 70 por cento. São como actores que fazem um teste de audição para um papel. Actuam para satisfazer o médico. Agem consoante o que julgam que o médico quer, na esperança de que assim o médico faça o trabalho todo e os remédios não saibam mal. Tomam os comprimidos religiosamente e comparecem nas consultas. Fazem o que lhes dizem - a menos que o médico sugira mudanças radicais no seu estilo de vida - mas nunca lhes ocorre questionar as decisões do médico ou lançarem-se a fazer eles próprios coisas que «sintam acertadas.» São pessoas que, perante a escolha, preferiam ser operadas a trabalhar activamente para se curarem.

No outro extremo estão os quinze a vinte por cento que são excepcionais. Não estão a fazer testes; estão a ser eles próprios. Recusam-se a desempenhar o papel de vítimas. Quando desempenham esse papel, os doentes não conseguem ajudar-se a si próprios, pois tudo lhes é feito.

(...)

Os doentes excepcionais recusam-se a ser vítimas. Educam-se a si próprios e tornam-se especialistas em cuidar de si próprios. Questionam o médico porque querem compreender o tratamento e participar nele. Exigem dignidade, personalização e controlo, seja qual for o curso da doença.

É preciso coragem para ser excepcional. Lembro-me de uma mulher que, quando lhe disseram que tinha de ir ao serviço de radiologia, respondeu: «Não. Não me explicaram este exame.» Quando os auxiliares lhe disseram: «Pode morrer esta noite se não fizer este exame», ela disse: «Então morro esta noite, mas não saio do quarto.» Apareceu imediatemente alguém para explicar para que servia o exame.

(...)

Os pacientes excepcionais querem saber todos os pormenores dos relatórios das radiografias. Querem saber o que significa cada valor nos relatórios de análises. Um médico que aproveite essa intensa preocupação do próprio em vez de a rejeitar e estar «demasiado ocupado», melhora substancialmente as hipóteses do doente.

Os médicos devem compreender que os doentes que consideram difíceis ou não cooperantes são os que têm maior probabilidade de cura.

(...)

Para saber se detêm actualmente a perspectiva de um doente excepcional, façam a si próprios esta pergunta antes de continuarem a ler: Querem viver até aos cem? Nos ECaP descobrimos que a capacidade de ser um paciente excepcional é correctamente previsível por um «Sim!» imediato e visceral sem ses, nem mas. A maior parte das pessoas dirá: «Bem, sim, desde que garanta que terei saúde.» No entanto, as pessoas que se tornam doentes excepcionais sabem que a vida não vem com essa garantia. Aceitam de boa vontade todos os riscos e desafios. Enquanto estão vivas, sentem que controlam o seu destino e contentam-se em receber alguma felicidade para si próprias e em dar alguma as outros. Têm aquilo que os psicólogos chamam um núcleioo de controlo interior. Não temem o futuro nem acontecimentos externos. Sabem que a felicidade vem de dentro.

(...)

Acho que todos os médicos deviam ser obrigados, como parte da sua formação, a assistir a serviços de cura onde aparecem pessoas com as chamadas doenças incuráveis. Devia dizer-se aos clínicos que não estão autorizados a receitar medicação ou a pensar em operar essas pessoas, mas simplesmente que saiam e as vão ajudar. Assim os médicos aprenderiam que podem ajudar tocando, rezando ou simplesmente partilhando a nível emocional. (1)

bernie s. siegel

(1) SIEGEL, Bernie S. - Amor, medicina e milagres. 1ª ed. Lisboa: Sinais de Fogo, 2004. ISBN 972-8541-47-3. pgs. 45-50.

3.11.08

um sussurro...



(quadro de bernhard kretzschmar, "two unlikely lovers", 1923)


"Não sei quando foi que compreendi que é precisamente este inferno no qual apostamos as nossas vidas que nos dá a energia, a possibilidade de cuidarmos uns dos outros. Um cirurgião não emerge do ventre materno besuntado de compaixão como se se tratasse de escorrências do parto. É muito mais tarde que surge. Não por súbita iluminação de graça, mas pelo murmúrio acumulado das inúmeras feridas que tratou, das incisões que fez, de todas as chagas, úlceras e cavidades que tocou para curar. No início mal se ouve, é um sussurro, como provindo de muitas bocas. Vai aumentando lentamente, elevando-se da carne que goteja até, por fim, ser um chamamento puro - um som exclusivo, como o grito de certos pássaros solitários - dizendo que da ressonância entre o homem doente e aquele que o trata pode emergir a cortesia profunda a que os religiosos chamam Amor." (1)

dick selzer



(1) SELZER, Dick apud SIEGEL, Bernie S. - Amor, medicina e milagres. 1ª ed. Lisboa: Sinais de Fogo, 2004. ISBN 972-8541-47-3. pgs. 40.

hospital means hospes (hóspede)



(quadro de mary cassatt, "baby and nurse reclining", circa 1886)


"A palavra «hospital» vem do termo latino para «hóspede», mas a instituição poucas vezes é verdadeiramente hospitaleira. Pouca atenção é posta no interesse ou na cura, ao contrário da medicação. Já me questionei muitas vezes sobre a razão porque os projectistas não fizeram, pelo menos, tectos bonitos, já que os doentes têm de passar tanto tempo a olhar para eles. Há um televisor em cada sala, mas que música, que vídeo criativo, meditativo ou humorístico está disponível para ajudar a estabelecer um ambiente de cura? Que liberdade se dá aos pacientes de manter a sua identidade?

(...)

Quando alguém está no hospital, os membros do pessoal tornam-se parte da família dessa pessoa, pois vêem o paciente mais vezes e mais intimamente que qualquer outra pessoa. Temos de encarar essa responsabilidade oferecendo o tipo de apoio carinhoso que é esperado da família. Eles não podem fazer o trabalho todo nas poucas horas de visita. Lembro-me de um dos meus pacientes, com carcinoma do cólon e metástases nos pulmões e no cérebro, que recusava o tratamento para poder morrer ao sol no seu pátio, a ouvir os pássaros. Porque não podem os hospitais ser igualmente acolhedores?

Por me permitir sentir tão intensamente quanto possível a mesma dor e o mesmo medo que sentiam os meus pacientes, fui-me apercebendo de que há um aspecto da medicina mais importante do que todos os procedimentos técnicos. Aprendi que há muito mais a oferecer que a cirurgia e que a minha ajuda se podia estender aos moribundos e aos seus sobreviventes. De facto, concluí que a única razão verdadeira para permanecer nesta actividade era oferecer às pessoas uma amizade que possam sentir, exactamente quando mais precisam" (1)

bernie s. siegel




(1) SIEGEL, Bernie S. - Amor, medicina e milagres. 1ª ed. Lisboa: Sinais de Fogo, 2004. ISBN 972-8541-47-3. pgs. 38-40.

2.11.08

who's afraid of damien?




he is the son of the devil, you know...