(fotografia de Cindy Sherman, "Untitled Film Still #56", 1980)
"Segundo alguns, a alma é o princípio da vida material orgânica; não tem existência própria e cessa com a vida: é o materialismo puro. Nesse sentido, e em comparação, diz-se de um instrumento rachado, que deixou de emitir sons, que já não tem alma. Segundo esta opinião, a alma seria um efeito e não uma causa.
Há outros que pensam que a alma é o princípio da inteligência, agente universal do qual cada ser absorve uma certa porção. Segundo estes, haveria em todo o Universo apenas uma única alma, distribuidora de centelhas pelos diversos seres inteligentes durante toda a sua vida. Após a morte, cada centelha regressa à fonte comum onde se confunde no todo, tal como os regatos e os rios voltam ao mar de onde saíram. Esta opinião difere da precedente, no sentido em que, tendo em conta a hipótese lançada, há em nós mais do que matéria, subsistindo alguma coisa após a morte. Contudo, é quase como se nada subsistisse; isto porque, destituídos de individualidade, deixaríamos de ter consciência de nós próprios. Nesta acepção, Deus seria a alma universal, sendo cada ser uma parcela da Divindade. Estaríamos perante uma variante do panteísmo.
Finalmente, segundo outros, a alma é um ser moral, distinto e independente da matéria, que conserva a sua individualidade após a morte. Esta acepção é, incontestavelmente, a mais geral. Efectivamente, sob uma ou sob outra designação, a ideia de um ser que sobrevive ao corpo encontra-se em todos os povos num estado de crença instintiva e independente de qualquer ensinamento. A esta doutrina, segundo a qual a alma é a causa e não o efeito, damos o nome de espiritualismo.
Sem discutir o mérito de tais opiniões, e considerando apenas o lado linguístico da questão, diremos que estas três aplicações da palavra alma constituem três ideias distintas, que necessitariam de um termo diferente para cada uma. Portanto, esta palavra tem uma tripla acepção; do seu ponto de vista, todos têm razão na definição por que optam. O defeito está na língua, por possuir apenas uma palavra para exprimir três ideias. A fim de evitar qualquer equívoco, seria necessário restringir a acepção do termo alma a uma daquelas três ideias. A escolha é indiferente; o essencial é que todos se entendam, sendo necessário para o efeito o estabelecimento de convenções. Julgamos mais lógico tomá-lo na sua mais vulgar acepção; assim, temos por ALMA o ser imaterial que reside em nós e que sobrevive ao corpo". (1)
Allan Kardec
(1) KARDEC, Allan - O Livro dos Espíritos. 2ªed. Mem Martins: Livros de Vida, 2005. ISBN 972-760-108-1. p.12, 13