27.5.07

The Dreamers




(imagem do filme The Dreamers, de Bernardo Bertolucci)




a barricada que os corpos sugerem é o acto mais subversivo de amor. Com a expansão da pele, a consciência torna-se mais pequena, conspirando as armas no avolumar da lua branca. O sonho é aquele período intermédio onde se promete a guerra e beija-se o lábio virginal de um poema ainda por descobrir. a letra e o pêndulo fundem-se.

depois, vem a revolução. os samurais de julia kristeva. e daniel cohn-bendit a querer mudar o mundo no quarto de brinquedos de paris. só os corpos fazem a revolução. e não a bandeira.

bernardo bertolucci ainda existe.

Jorge Vicente





(imagem do filme The Dreamers de Bernardo Bertolucci)

25.5.07

Poema





(imagem do filme Highwaymen, de Robert Harmon, com Rhona Mitra e Jim Caviezel)

esta é a palavra
que ainda resta no corpo
como se fosse vestida
de salpicos de
carne



palavra da
palavra

verbo do
verbo

o único lugar onde
a árvore se escreve como
se fosse estrada

e onde houvesse um sabor metálico
que percorresse todos os
lugares do sangue

Jorge Vicente

23.5.07

Antologia Amante das Leituras



Estão todos convidados para este lançamento. Tragam amigos, conhecidos, toda a gente que se interesse por Poesia, a Arte Maior.

Um abraço
Jorge Vicente

20.5.07

Marcel Merleau-Ponty




(quadro de Conrad Felixmüller, "Clemens Brown", 1931)






"le philosophe est l'homme qui s'éveille et qui parle, et l'homme contient silencieusement les paradoxes de la philosophie, parce que, pour être tout à fait homme, il faut être un peu plus et un peu moins qu'homme" (1)



Maurice Merleau-Ponty (1908-1961)



(1) MERLEAU-PONTY, Maurice - Éloge de la philosophie. In Éloge de la philosophie et autres essais. Paris: Gallimard, 1967. p. 73.

O Caimão de Nanni Moretti (2006)


(imagem de O Caimão, de Nanni Moretti)

O Caimão (Il Caimano) de Nanni Moretti centra-se sobre a construção de um filme. Um filme sobre o político italiano Silvio Berlusconi, um verdadeiro caimão da política, alguém que, em proveito próprio, serviu a política e os interesses dos grandes grupos económicos. Berlusconi: o empresário e o proprietário de um grande grupo de comunicação. Berlusconi: o político do dinheiro e da corrupção.


Esse é o mote do filme, a razão pela qual o filme foi feito apesar da visão de Nanni Moretti ser um pouco mais pessimista porque não acredita nem na direita nem na esquerda. Que solução para a Itália e para a política italiana? O que haverá para além do poder de Berlusconi? Provavelmente, o poder que possa haver é um poder que não se compadece com os ideais da massa popular, a tão falada opinião pública. Provavelmente, o poder não se dará conta dos filmes que se fazem em amor à verdade, em amor à dignificação da política e da arte. Neste filme, o realizador é um realizador sem destino, que há mais de 10 anos, não realiza qualquer filme. Longe, estão os tempos em que filmava quase consecutivamente filmes de acção, um pouco políticos talvez, mas essencialmente filmes de baixo orçamento para o público se divertir. Até que alguém abre os seus olhos e lhe dá um guião sobre Berlusconi.


E, a partir daí, o realizador imaginário e Nanni Moretti estabelecem um diálogo interessante. Mesmo que Berlusconi conseguisse impedir o realizador-personagem de fazer o filme, sempre ficaria Moretti para contar a história.


Jorge Vicente

17.5.07

Jornadas de Encontro de Escritas

se quiserem aparecer, estão todos convidados

Jornadas de Encontro de Escritas
Dia 19 de Maio de 2007
Espaço Cultural Fernando António Godinho
Local: Buraca

15h - A Poesia na Internet
José Félix
Ciberliteratura - O Livro: A Poesia nas Listas de Discussão

15.30h - "A Musa Alentejana"Jorge Vicente
1. Introdução
2. Além-Tejo. A dimensão poética do solo alentejano.O grande poeta da planície: Mário Beirão
3. A dimensão religiosa do AlentejoSoror Mariana Alcoforado. Manuel Ribeiro
4. A dimensão amorosa do AlentejoAl-Mutamid. Florbela espanca. Mariana Alcoforado
5. Conclusão

16h - "A Escrita Criativa"José Gil

Debate e sessão de leitura

15.5.07

Fellatio Americana




(imagem de Brown Bunny, 2003)

(a Vincent Gallo e Chloe Sevigny)

esqueço-me de ligar as portas do carro. elas estão presas ao pó que circunda o pátio da casa. vou sair. ligo o ar condicionado e espero que a rádio transmita aquelas palavras que, muitas vezes, repetem ao longo da manhã. bom dia. o trânsito está encerrado na estrada 43 e não é bom dia para passear. melhor seria ficar em casa e comemorar a solidão, olhando as pequenas folhas que teimam em se movimentar em pequenos círculos, como se puxadas por um cordel imaginário. lá fora, vivem as pessoas e o seu estranho ceptro de relações. ligo o carro e aperto o cadafalso à pedra. muita distância separa o teu corpo das inúmeras sensações que o prazer provoca, mesmo que este seja uma forma nada subtil de enganar a solidão. aperto-me ainda mais na sensação de ter de me movimentar estrada fora e admirar as mulheres que me pedem para adormecer numa gasolineira sem o mínimo de condições. É lá que vivem as mulheres que querem partir para a estrada 43 sem, ao menos, se importarem se estão despidas ou se são apenas aquilo que a rádio espera que elas sejam: as futuras estrelas do conglomerado urbano

páro o carro. meto gasolina e vou embora. não. apetece-me levar alguém comigo, mesmo que seja inocente e não se possa deter na estranha forma das pessoas crescerem o corpo. nesta cidade, não existe dimensão nenhuma que seja de fácil percepção. tudo se resume ao modo como como as pessoas fogem. a estrada é apenas o meio. E não o fim.

chama-se violeta e tem nome de flor. e também do chakra que leva a deus. mas, talvez não seja isso porque deus não tem corpo e as flores não têm mais nenhum cheiro do que aquele que movimenta o ecossistema das plantas. apetece-me fodê-la. não a flor, mas a rapariga que tudo abarca e que tem o corpo junto à porta do carro. para onde partes. para a california. procurar ouro. não, os garimpeiros morreram quando o deserto ainda não existia e quando o jim morrison nem sequer promessa de poema. não faças o ouro, faz a carne e deixa que ela te apodreça. se tu apodreceres, foderei um cadáver e já poderei ser mais do que um homem. entra. ela entrou. escusado será dizer que não falámos nada. os meus pensamentos falaram tudo. nunca me dirigi a um cadáver mas a quem nunca tinha nada a perder, como eu.

levei-a a casa. fez as malas rapidamente apenas com o essencial. e partimos. nunca prometas nada que não possa ser cumprido, se quiseres podes cortar o mundo às postas e transformar o meu pequeno mundo numa selva de esperma e de calos. não falo nada. apenas penso. mas penso com o lado iluminado do meu rosto. olho a paisagem que se desenrola como um filme. ela adormece. a rádio ilumina as árvores que se estendem no limiar das casas. beautiful. gordon lightfoot. uma pauta no silêncio ominoso da paisagem americana. nunca é demasiado discreto pedir o amor quando ele só pode dar a solidão. aproximo a mão da pele e os olhos fecham-se e abrem-se. o olhar é uma flor desgastada que se abre quando pressionada pelo toque da pele. tudo se resume ao fogo do prazer e ao movimento da estrada.












(imagem de Chloe Sevigny e Vincent Gallo, Brown Bunny)



retiro o corpo para fora e páro o carro. o corpo e mais a pele. já é noite acendida e os carros movimentam-se como faróis no meio do mar e dos peixes. os peixes somos nós. que abrem a boca quando querem ejacular o líquido amniótico que se esquecem de escrever enquanto crianças. tiro as calças e deixo que ela engula o que restou de mim enquanto estive na casa. e o que sair será para ela uma forma encantatória de enganar a solidão. porque provavelmente o amor será apenas isso, quando engulimos e deixamos sair. e vomitamos. e voltamos ao estado do leite virginal. e deixamos que o corpo se relembre disso. até cairmos e termos a sensação de que acabámos com a inocência de quem queria apenas partir e não jogar o seu futuro nas estradas e nos corpos alheios. o corpo é só nosso quando perdoamos as nossas faltas. e se a solidão e o amor são o lamaçal da pele, nunca deixamos de ser cadáveres. e fodemos pelos nossos mortos como fodemos pelo nosso sabor metálico. mas lá estou eu a pensar. provavelmente, é mesmo amor, mas com uma diferente intensidade. a partilha da pele e do esperma. só a nossa inocência é que sabe.
Jorge Vicente

13.5.07

Between Strangers

(Mira Sorvino e Klaus Maria Brandauer, em Between Strangers)


Quanto custa alimentar um sonho? E esperar longos anos até que esse sonho se concretize? Muitas vezes, pensamos nós, esse sonho é uma mera imagem de algo que poderíamos ter feito, mas nunca concretizámos. Outras vezes, é mais realista e pode se concretizar desde que o queiramos. No filme Entre Estranhos (Between Strangers), Sophia Loren vive um sonho: pintar e visitar Florença, nem que seja durante um dia e admirar as inúmeras obras de arte que aí poderemos encontrar. No entanto, vive em Toronto e toda a sua vida foi dedicada a alguém que perdeu a capacidade de andar. A pintura, a arte, o sonho foram abandonados pela descoberta do mundo real. É preciso regressar ao estado de juventude e voltar ao mundo do lápis.


O pai de Mira Sorvino também tem um sonho. Que a filha se transforme numa grande fotógrafa, tão grande como ele, com inúmeras fotografias publicadas na capa da Times e de outras revistas especializadas. A 1ª foto já foi premiada, uma que a jovem fotógrafa tirou em plena Guerra de Angola. Faltam as outras. Mira Sorvino, porém, pensa que uma fotografia, uma imagem, não retira ao fotógrafo a responsabilidade de intervir socialmente. Que interesse pode ter uma fotografia quando o mundo que nós fotografamos está a desabar naquele preciso momento? Não teremos nós a responsabilidade de impedir que o mundo se desabe à nossa volta e pensar na Arte apenas depois? Não será a Arte uma forma de impedir que o mundo se desabe e se transforme num pátio de destroços? A personagem interpretada por Mira Sorvino pensava que tinha responsabilidade perante o mundo e que essa responsabilidade não se limitava a carregar num pequeno botão e imortalizar uma pessoa moribunda. Não é a máquina fotográfica que imortaliza, mas o toque humano, o olhar, o dar a mão. Claro que tirar uma fotografia, escrever, pintar pode imortalizar aquele olhar, aquele modo de pensar e ver a sociedade, mas se não fizer uma pessoa melhor, que adianta? Olhamos para as fotos, para os quadros, para os poemas e não descobrimos neles a beleza que eles possam ter. Porque a beleza pode não ser a beleza para mim, mas a beleza para os outros. E, nesse caso, a Arte é um tanto egoísta porque atinge quem ela quer e em momentos diversos da nossa vida.


Outro dos personagens, interpretado por Malcolm McDowell, não tinha um sonho bem definido. Apenas queria sair da prisão e iniciar uma vida nova. Com um passado bem violento atrás das costas, a tarefa é bem difícil. Ainda por cima, com os ódios familiares de quem sofreu na pele a sua violência...


Em suma, Entre Estranhos é um filme interessante, embora discreto. Sabe bem entrar na vida das pessoas, tocar na sua pele e sair com um pouco de sangue nas mãos. Penso que vá estrear no Quarteto nos próximos tempos, provavelmente, num ciclo especial.


Jorge Vicente

9.5.07

L'Ereditá di Caino, or Xenakis transposed to images

Em Setembro de 2005, assisti a um dos filmes mais extremos e bizarros que vi na vida: L'Ereditá di Caino de Luca Acito e Sebastiano Montresor. Na altura, fiz um comentário no blog Amoralva, do Blog City, onde expressava a minha opinião sobre o filme. Como, provavelmente, terei sido um dos raros comentadores da obra, o realizador contactou-me via blog e, posteriormente, via email. Estava a pensar acabar o filme (na altura do festival, a obra ainda não se encontrava totalmente concluída) e, quando tal aconteceu, mandou-me o DVD para que eu pudesse comentar.

A minha opinião mantém-se a mesma. L'Ereditá di Caino continua a ser o mesmo filme experimental e abstracto que vi numa noite já distante em Setembro de 2005. O mesmo tom, o mesmo ambiente, as mesmas personagens. Mudanças houve, claro, mas essas mudanças não tornaram o diferente. Não o tornaram numa obra narrativa, com um guião pré-definido. Uma das cenas que penso ter sido modificada foi uma das cenas finais, que antecede as ceremónias fúnebres. É uma cena muito bela, a contrastar com outras cenas, extremamente bizarras e a lembrar a música de Xenakis, que é estranha to say the least.

Eu, sinceramente, gostaria de ver outros trabalhos dos realizadores, trabalhos diferentes, que revelassem outras facetas, não tão abstractas ou, mesmo sendo abstractas, revelem outra faceta das suas personalidades.

Jorge Vicente

8.5.07

As Regras da Atracção (The Rules of Attraction)




imagem de James Van Der Beek, em The Rules of Attraction)


As Regras da Atracção (The Rules of Attraction), realizado por Roger Avary em 2002 e baseado no livro homónimo de Bret Easton Ellis, é um filme sobre pessoas. Sobre pessoas com problemas. E sobre o modo de resolver (ou não resolver) esses problemas. Infelizmente, o ponto focado são sempre os pontos negativos, a capacidade de nos auto-destruirmos e de destruirmos os outros e o mundo que está à nossa volta. Mesmo as personagens com um certo nível de dignidade têm, digamos assim, pontos obscuros que nos fazem repensar em que sociedade vivemos, e que sociedade queremos para os nossos filhos. Digo infelizmente porque o filme não transmite esperança. Pelo menos, para mim.


O personagem principal, Sean Bateman (interpretado por James Van Der Beek) é um passador de droga e jamais vai às aulas. A vida dele resume-se às habituais "trips" e às inúmeras festas que o campus académica onde ele vive proporciona. Um dos aspectos que mais me impressionou no filme foi a quantidade de festas organizadas e a falta de alma que cada festa representava. Tais festas eram mais uma oportunidade para se fazer sexo, tomar um charro, engolir uma pastilha de ecstasy, etc. Enfim, a sociedade norte-americana no seu melhor. Voltando ao personagem, ele é assim, mas apaixona-se e muda um pouco a sua atitude. Mas, não muda completamente. O exemplo perfeito é a vergonha que ele faz passar um consumidor de cocaína quando vai comprar droga a um fornecedor.


Mesmo as personagens, digamos, mais idealistas, têm os seus aspectos negativos. Temos a virgem que só se quer entregar fisicamente a uma única pessoa, embora saibamos de antemão que essa pessoa é das piorzinhas que está lá. Temos a personagem que se sacrifica por amor, numa das cenas mais violentas do filme e que me arrepiou todo. No bom ou no mau sentido, não sei. Apenas fechei os olhos e pensei nela. O amor platónico apenas leva à morte.


Resumindo: é um filme bastante interessante sobre a vida dos jovens universitários norte-americanos. Os filmes mais mainstream de Hollywood jamais teriam a coragem de mostrar estes aspectos negativos, os aspectos negros desta nova sociedade que vai crescendo. É brutal por vezes, especialmente os primeiros 10 minutos e a cena da rapariga sacrificadora, mas não consegue alcançar a mestria e a brutalidade das imagens de Larry Clark. Nos filmes Kids e Ken Park, não se trata de um murro no estômago, mas trata-se isso sim de uma locomotiva prestes a explodir no nosso estômago.


Jorge Vicente

4.5.07

Estranhos de Passagem (Dirty Pretty Things)

(imagem do filme Dirty Pretty Things de Stephen Frears)

Eu gosto muito dos filmes de Stephen Frears. Eles, normalmente, focam assuntos da vida real de forma despojada e simples, sem muitos artifícios técnicos, sem recorrer aos esteréotipos do cinema de Hollywood. Claro que há excepções, O Herói Acidental com Andy Garcia, Ligações Perigosas, com Michelle Pfeiffer e mais outros filmes que realizou nos Estados Unidos.

No entanto, sempre preferi os seus filmes com o realismo britânico bem vincado, onde o realizador tem a possibildade de explorar de forma crua e dura (e, por vezes, também com humor) a realidade social da Inglaterra ou da Irlanda.

O último filme que vi dele, Estranhos de Passagem (Dirty Pretty Things) é um filme sobre imigração ilegal e sobre o submundo do tráfico de orgãos. Os principais personagens são Okwe, um imigrante ilegal da Nigéria (interpretado por Chiwetel Ejiofor), Senay Gelik, uma empregada turca (interpretada por Audrey Tatou) e Juan, o director do hotel onde Senay e Okwe trabalhavam. Para além da ocupação no hotel, Okwe, durante o dia, era motorista de táxi e Juan fazia operações clandestinas e retirava rins de imigrantes ilegais que desejavam a tão almejada legalização. Segundo a personagem, fazia-se duas coisas boas: dava a legalização a quem precisava dela e salvava-se uma vida já que o rim era destinado a quem precisasse dele. O que é uma atitude perversa e cruel uma vez que nada justifica a mutilação de pessoas, a selvajaria pura e simples, sem moral, para fazer o "bem".


Resumindo: vale a pena ver o filme, é bem dirigido, excelentemente interpretado e a história é fantástica. As únicas reservas são que nem toda a gente tem estômago para histórias deste género.


Jorge Vicente
(outra imagem do filme Dirty Pretty Things)