(Mira Sorvino e Klaus Maria Brandauer, em Between Strangers)
Quanto custa alimentar um sonho? E esperar longos anos até que esse sonho se concretize? Muitas vezes, pensamos nós, esse sonho é uma mera imagem de algo que poderíamos ter feito, mas nunca concretizámos. Outras vezes, é mais realista e pode se concretizar desde que o queiramos. No filme Entre Estranhos (Between Strangers), Sophia Loren vive um sonho: pintar e visitar Florença, nem que seja durante um dia e admirar as inúmeras obras de arte que aí poderemos encontrar. No entanto, vive em Toronto e toda a sua vida foi dedicada a alguém que perdeu a capacidade de andar. A pintura, a arte, o sonho foram abandonados pela descoberta do mundo real. É preciso regressar ao estado de juventude e voltar ao mundo do lápis.
O pai de Mira Sorvino também tem um sonho. Que a filha se transforme numa grande fotógrafa, tão grande como ele, com inúmeras fotografias publicadas na capa da Times e de outras revistas especializadas. A 1ª foto já foi premiada, uma que a jovem fotógrafa tirou em plena Guerra de Angola. Faltam as outras. Mira Sorvino, porém, pensa que uma fotografia, uma imagem, não retira ao fotógrafo a responsabilidade de intervir socialmente. Que interesse pode ter uma fotografia quando o mundo que nós fotografamos está a desabar naquele preciso momento? Não teremos nós a responsabilidade de impedir que o mundo se desabe à nossa volta e pensar na Arte apenas depois? Não será a Arte uma forma de impedir que o mundo se desabe e se transforme num pátio de destroços? A personagem interpretada por Mira Sorvino pensava que tinha responsabilidade perante o mundo e que essa responsabilidade não se limitava a carregar num pequeno botão e imortalizar uma pessoa moribunda. Não é a máquina fotográfica que imortaliza, mas o toque humano, o olhar, o dar a mão. Claro que tirar uma fotografia, escrever, pintar pode imortalizar aquele olhar, aquele modo de pensar e ver a sociedade, mas se não fizer uma pessoa melhor, que adianta? Olhamos para as fotos, para os quadros, para os poemas e não descobrimos neles a beleza que eles possam ter. Porque a beleza pode não ser a beleza para mim, mas a beleza para os outros. E, nesse caso, a Arte é um tanto egoísta porque atinge quem ela quer e em momentos diversos da nossa vida.
Outro dos personagens, interpretado por Malcolm McDowell, não tinha um sonho bem definido. Apenas queria sair da prisão e iniciar uma vida nova. Com um passado bem violento atrás das costas, a tarefa é bem difícil. Ainda por cima, com os ódios familiares de quem sofreu na pele a sua violência...
Em suma, Entre Estranhos é um filme interessante, embora discreto. Sabe bem entrar na vida das pessoas, tocar na sua pele e sair com um pouco de sangue nas mãos. Penso que vá estrear no Quarteto nos próximos tempos, provavelmente, num ciclo especial.
Jorge Vicente