(pintura de milton avery, "crucifixion", 1946)
"Naquela igreja rezou-se um rosário. Estive atento às duas orações, ao «Pai Nosso» e à «Avé Maria». A primeira é linda e incrementadora da consciência, obra do iluminado Jesus; «venha a nós o vosso reino, seja feita a vossa vontade.» O Universo e a sua Lei Universal, também o Dharma como vontade transcendente.
Jesus também nos lembrou de outra coisa: «Deus é Amor». E se o amor é a essência de Deus, encontraremos e perceberemos Deus vivendo o amor.
A segunda, a «Avé Maria», é nitidamente obra do homem comum, do homem da igreja, do seguidor e não do discípulo, do que teima em nada aceitar, aprender e compreender. A sua primeira frase é simples graxa para meter uma cunha. «Bendita sois vós entre as mulheres, bendito é o fruto do vosso ventre». Enche-se o ego de Maria, como qualquer mulher comum, para passar ao cravanço que se segue: «Rogai por nós pecadores, agora e na hora da nossa morte.»
Pecadores? Rogai por nós? Pecadores por termos Deus omnipresente no meio de nós? Por sermos feitos à sua imagem e semelhança? Quem se está a julgar, Deus? Rogai por nós? Não somos, por acaso, responsáveis por nós próprios?
Fazemos mal a nós próprios e aos outros, tentando depois safar-nos metendo uma cunha precedida de graxa? No fim, vemos uma cultura, a nossa, de seres que só se tornam religiosos quando estão em aflição." (1)
ishi
(1) ISHI - Karma e Reencarnação. Carcavelos: Angelorum, 2003. ISBN 972-8680-73-2. pg. 75, 76.