"Sara no Labirinto" (Eugénio Outeiro)
(pintura de lehmann, "young girls reading a letter by candlelight", s/d)
"Sara achou-se no centro das paredes tortas.
Disse joguemos
- houve um abalo de terra nesse instante
mas ela não reparou -
e atravessou a primeira das paredes.
Olhou em seu redor e não viu nada:
apenas luz ou sombras a esvarar pelos muros
e diminutos pássaros a percorrer abraços.
Não sabia que isso era a metáfora do resto,
que daí nasceria o decorrer de tudo.
Deu passos devagar, e sem querê-lo
invadiu territórios caminhando as nuvens.
Chegando no outro extremo perguntou que faço?
- o sol perdeu a luz por um momento
mas ela fechara os olhos e nem deu por isso -,
aguçou bem a orelha mas só ouviu chilreios.
A falta de respostas atravessou a parede.
Do outro lado era a sala de percorrer distâncias.
Disse este é o meu lugar,
onde me sento?
Procurou a poltrona mas não tinha encosto.
Descansou o seu corpo no chão entapetado.
Pregou o olhar no tecto e mais no texto
(o contexto era uma incógnita e nem existia)
Agarrou-se com força à situação,
cravou-lhe as unhas,
colou-se a ela como a sombra ao muro.
Mas tudo foi em vão.
A parede avançou e ela atravessou-a.
E fez-se então um turbilhão de fumo.
Um tornado sugou um infantário.
Uma aurícola estoirou.
Um trovão acordou para atingi-la (a ela!).
A sala em que estava era um latejo monocorde.
Mas Sara observou tudo com olhar tranquilo
e disse para si que aborrecido!
Juntou a indiferença à compostura
caminhou devagar
olhando para a frente.
Meteu primeiro as mãos,
logo a cabeça
e só depois o corpo dando um passo.
Atravessou a parede e viu-se fora.
No exterior viu de cima o labirinto.
E então sorriu,
lançou um beijo para o ar, traquila,
disse joguemos!
e voltou a entrar." (1)
eugénio outeiro
(1) OUTEIRO, Eugénio - Sara no labirinto. Sítio. Torres Vedras. ISSN 1646-1355. Nº 2 (Janeiro 2006), pp. 4-5.
4 comentários:
obrigada :) e tu uma prosa poética.
tudo de bom.
Muito bom.
Um beijo, boa semana!
Que beleza de poema! Eu não conhecia este Poeta. Obrigada. Beijos.
é maravilhoso, não é, paula?
grandes abraços
jorge
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