carnaval (sónia regina e jorge vicente)
(pintura de alina lins, "orixás", 2007)
1.
que fazes, quando a tontura
chega aos meus versos?
eu, ouço
a bateria
(tão próxima ao coração)
vibro
- a harmonia me convida -
e sambo.
sonia regina
2.
eu sambo
e dança a ciranda
do pé.
a roda
o beija-mão
o poema
o grito
o saci da selva
e das árvores.
jorge vicente
3.
o pé então se revela
no samba na dança
na ciranda que chora
beija a mão, o poema
grita na selva, a roda
do fumo nos cachimbos
do saci e do caipora
sonia regina
4.
roda então o poema
na ciranda dos versos
em êxtase
a mão o dedo mindinho
o céu apontado na carne
do jovem menino
estou grávido de palavras
e de espaços: o som é a
palavra do batuque.
jorge vicente
5.
lateja o sangue
nasce o ritmo na carne
irrigado, o poema perdido
na matéria adianta-se
sobre os espaços
cúmplice, o batuque liberta
fragmentos aprisionados
no embrião da palavra
sonia regina
6.
não há palavra na solidão
do batuque. apenas o ritmo
milenar dos pés que alçam
as nuvens. os pés. o lento
amontoar dos dedos na pele
do tambor.
o rei momo vai despido.
jorge vicente
7.
atentos ao batuque desfilam
os pés descalços de fantasias
a água lava qualquer pó e nada
mais vem do céu, senão o vento
em sua voragem a atiçar as faúlhas
sobre a pele esticada as baquetas
malham em fogo ausente.
sonia regina
8.
o fogo prescinde sempre
prescinde do batuque e
da seiva contra seiva
a mangueira o bambu
a árvore da floresta
frondosa o tambor que
se ausenta. o silêncio.
tudo está ausente
e nada deixa de existir.
a floresta vive quando
a água subsiste e se
alimenta de saci-pererê
jorge vicente
9.
o saci prescinde do fogo:
quando não pita, assobia
brinca sem tambor
sem batuque
com animais pessoas
a floresta viva a água
os chás para anomalias
diverte-se com a existência,
o solitário do gorro vermelho.
a mata por companhia.
sonia regina
10.
não prescinde da morte
como do dia as nuvens que
trazem a sorte a folia do
dia a negritude do corpo
a falsa batida do batuque
claro
é o corpo a face rosada
da flor - o lento assobio -
as nuvens carregadas de
películas brancas.
as tuas.
jorge vicente
11.
não prescindem do dia
como da morte as películas:
brancos, nossos assobios
soam. lentamente.
cor de rosa, as faces
os corpos
a mais linda flor.
a sorte e a negritude do corpo
vivem o que não pertence
ao tempo. à folia. ao ritmo.
sonia regina
12.
ao ritmo pertencem os meus dedos
e as pequenas salvas de luz que
caem dos meus cabelos.
sabes: um poema nunca termina
nem os dedos são o apogeu da escritura.
tudo é palavra
tudo é ritmo
nada fica por entre os dedos
e ao alcance das mãos.
jorge vicente
7 comentários:
vocês criaram aqui um belo diálogo.
Parabéns a ambos
Bjs
Luz e paz
Poemas cheios de movimento e sentires. Muito bom!
Bjs
TD
Gosto desta parceia de sentires.
Um abraço
mas gosto muito que este poema esteja ao alcance dos meus olhos! beijinho grande, jorge
muito, muito obrigado, teresa.
um grande beijinho para ti
jorge
obrigado, minha querida arabica.
um grande beijinho para ti
jorge
e das tuas mãos também, querida amiga. :)
um grande beijinho
jorge
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