4.5.09

carnaval (sónia regina e jorge vicente)



(pintura de alina lins, "orixás", 2007)


1.



que fazes, quando a tontura

chega aos meus versos?



eu, ouço

a bateria

(tão próxima ao coração)



vibro

- a harmonia me convida -



e sambo.



sonia regina





2.



eu sambo
e dança a ciranda
do pé.

a roda
o beija-mão
o poema
o grito

o saci da selva
e das árvores.

jorge vicente





3.


o pé então se revela



no samba na dança

na ciranda que chora



beija a mão, o poema

grita na selva, a roda



do fumo nos cachimbos

do saci e do caipora



sonia regina





4.



roda então o poema

na ciranda dos versos

em êxtase



a mão o dedo mindinho

o céu apontado na carne

do jovem menino



estou grávido de palavras

e de espaços: o som é a

palavra do batuque.



jorge vicente





5.



lateja o sangue

nasce o ritmo na carne



irrigado, o poema perdido

na matéria adianta-se



sobre os espaços



cúmplice, o batuque liberta

fragmentos aprisionados

no embrião da palavra



sonia regina





6.



não há palavra na solidão
do batuque. apenas o ritmo
milenar dos pés que alçam

as nuvens. os pés. o lento
amontoar dos dedos na pele
do tambor.

o rei momo vai despido.

jorge vicente





7.



atentos ao batuque desfilam

os pés descalços de fantasias



a água lava qualquer pó e nada

mais vem do céu, senão o vento

em sua voragem a atiçar as faúlhas



sobre a pele esticada as baquetas

malham em fogo ausente.



sonia regina





8.


o fogo prescinde sempre
prescinde do batuque e
da seiva contra seiva

a mangueira o bambu
a árvore da floresta
frondosa o tambor que
se ausenta. o silêncio.

tudo está ausente
e nada deixa de existir.
a floresta vive quando
a água subsiste e se
alimenta de saci-pererê

jorge vicente





9.


o saci prescinde do fogo:
quando não pita, assobia

brinca sem tambor
sem batuque
com animais pessoas
a floresta viva a água
os chás para anomalias

diverte-se com a existência,
o solitário do gorro vermelho.
a mata por companhia.



sonia regina





10.


não prescinde da morte
como do dia as nuvens que
trazem a sorte a folia do
dia a negritude do corpo

a falsa batida do batuque
claro

é o corpo a face rosada
da flor - o lento assobio -
as nuvens carregadas de
películas brancas.

as tuas.

jorge vicente





11.



não prescindem do dia

como da morte as películas:

brancos, nossos assobios

soam. lentamente.



cor de rosa, as faces

os corpos

a mais linda flor.



a sorte e a negritude do corpo

vivem o que não pertence

ao tempo. à folia. ao ritmo.



sonia regina





12.



ao ritmo pertencem os meus dedos
e as pequenas salvas de luz que
caem dos meus cabelos.

sabes: um poema nunca termina
nem os dedos são o apogeu da escritura.

tudo é palavra
tudo é ritmo

nada fica por entre os dedos
e ao alcance das mãos.


jorge vicente

7 comentários:

Conceição Paulino disse...

vocês criaram aqui um belo diálogo.
Parabéns a ambos
Bjs
Luz e paz

Teresa David disse...

Poemas cheios de movimento e sentires. Muito bom!
Bjs
TD

Arábica disse...

Gosto desta parceia de sentires.


Um abraço

Anónimo disse...

mas gosto muito que este poema esteja ao alcance dos meus olhos! beijinho grande, jorge

jorge vicente disse...

muito, muito obrigado, teresa.

um grande beijinho para ti
jorge

jorge vicente disse...

obrigado, minha querida arabica.

um grande beijinho para ti
jorge

jorge vicente disse...

e das tuas mãos também, querida amiga. :)

um grande beijinho
jorge