15.6.07

Justificação do Poeta (Lêdo Ivo)


(fotografia dos poetas surrealistas franceses)

"Pai, meus pensamentos não cabem na tua sala com piano tranquilo
[a um lado e escuras cadeiras vazias perto da janela
meus inquietos pensamentos não cabem na saleta com flores
[morrendo nos jarros e paisagens sorrindo nas molduras
deixa que eles atinjam além das cortinas azuis e caminhem para
[muito além das janelas abertas
deixa que eles se misturem com o calmo luar
não te importes se os outros se espantam com teu filho de olhos
[vivos e cabelos sempre desalinhados
não te importes se recito poemas quando a noite cai
o tempo não existe na alma do poeta
tudo é universal e abrange todos os tempos
os poetas, meu pai, são os corações do mundo
são as mãos de Deus escrevendo os poemas do mundo inseguro
não importa, pai, que digam que sou louco
que choro debruçado nas pontes e me comovo nos teatros
que pergunto pela obscura Adriana quando a madrugada desce
em silêncio
em silêncio

os poetas são os pianos do mundo
só eles permanecerão inalteráveis diante das musas e de Deus
só eles terão a noção da agonia do mundo
ontem um menino espanhol foi despedaçado por uma bomba
amanhã se encontrarão poemas no bolso do suicida sonhador
enquanto isso os guindastes trabalham incansavelmente dia e noite
e os operários fatigam os braços e as pernas
nenhuma oscilação haverá na Poesia
ela ficará em equilíbrio porque os ritmos a amparame Adriana não se prostitui.

Sou um comício. Sou uma revolução. (1)


Lêdo Ivo





(1) IVO, Lêdo - Uma lira dos vinte anos. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1962. p. 52,53.

1 comentário:

Anónimo disse...

os poetas são os pianos do mundo






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o surrealismo em Ré Maior.







beijo.








(piano)