24.10.12

a bondade





(quadro de will barnet, "youth" (1970)


"O amante da bondade, porém, jamais pode permitir-se viver uma vida solitária; e, no entanto, a vida que ele passa na companhia dos outros e por amor aos outros deve permanecer essencialmente sem testemunhas; falta-lhe, acima de tudo, a companhia de si próprio. Não é um homem solitário, mas isolado; embora conviva com outros, deve ocultar-se deles e não pode sequer permitir-se a si mesmo ver o que está fazendo. O filósofo pode sempre contar com a companhia dos pensamentos, ao passo que as obras não podem ser companhia para ninguém: devem ser esquecidas a partir do instante em que são praticadas, porque até mesmo a memória delas destrói a sua qualidade de «bondade». Além disto, o acto de pensar, por poder ser lembrado, pode cristalizar-se em pensamentos; e os pensamentos, como todas as coisas que devem a sua existência à memória, podem ser transformados em objectos tangíveis que, como a página ou o livro impresso, se tornam parte do artifício humano. As boas obras, por deverem ser imediatamente esquecidas, nunca podem tornar-se parte do mundo; vêm e vão sem deixar vestígios; e não pertencem claramente a este mundo.

É este carácter extramundano das boas obras que faz do amante da bondade uma figura essencialmente religiosa e torna a bondade, como a sabedoria na antiguidade, uma qualidade essencialmente inumana e sobre-humana. E, no entanto, o amor à bondade, ao contrário do amor à sabedoria, não se limita à experiência de poucos, da mesma forma que o isolamento, ao contrário da solidão, está ao alcance da experiência de todos os homens." (1)

(Hannah Arendt)


(1) ARENDT, Hannah - A condição humana. Lisboa: Relógio d'Água, 2001. ISBN 972-708-637-3.  p 89-90.

8 comentários:

tecas disse...

Concordo plenamente com o autor Hannah Arendt, meu querido amigo Jorge. E aceita um aplauso pela tua escolha.
Excelente.
Beijinho amigo, bom feriado e uma flor.

jorge vicente disse...

Minha querida amiga,

muito,muito obrigado!!!

Muitos beijos!
Jorge

L. Rafael Nolli disse...

Um trecho lindo esse. Estou inteiramente de acordo!
Abraços, meu camarada!

jorge vicente disse...

Muito obrigado, meu camarada!!!

Então e o seu livro novo? Já foi publicado? Quero ter um!

Muitos abraços!!!
Jorge

Anónimo disse...

I do trust all the ideas you have introduced in your post. They are really convincing and can definitely work. Nonetheless, the posts are too short for newbies. Could you please lengthen them a bit from next time? Thank you for the post.

jorge vicente disse...

No,I will definitely not going to lenhten my posts :)

Cheers!!!

Luma Rosa disse...

Você foi muito feliz em postar esse texto. Ele realmente fala sobre um sentimento que chega a ser divino, já que em essência, a pureza que gera a bondade é quase que previlégio dos santos.
Não sei se comemora natla, mas espero que seu natal tenha sido ótimo, alegre e cheio de afetividade!!

jorge vicente disse...

Minha amiga,

o meu Natal é sempre cheio de afectividade. E não só o Natal: também os momentos que passo com a minha família ecológica que muito me nutrem.

Só espero que a sociedade seja sempre assim e que assuma a afectividade, o amor e a bondade como o maior objectivo para este novo ano.

Espero que estejas bem!

Muitos beijos
Jorge