16.4.12

Desencanto: la Poesia


(imagem retirada deste site: www.substantivoplural.com.br/wp-content/uploads/2012/03/poesia.jpg)

 Quando iniciei o meu percurso na escrita (neste caso, a poesia), considerava o acto de escrever como um acto de expressar apenas os meus sentimentos, com alguma espiritualidade, é certo, mas com uma espiritualidade desligada da alegria de me sentir vivo, uma espiritualidade mais ligada à melancolia e à nostalgia do que ao prazer gratuito da belíssima joie de vivre. Em 2010, deu-se uma grande mudança: o meu percurso na dissertação de mestrado que era tudo menos criativo, o trabalho que acabava tardíssimo, a transformação belíssima que estava a vivenciar no meu percurso em Biodanza. Num determinado momento, recomecei a pensar escrita e dei comigo a afastar-me progressivamente de uma arte poética e de um mundo artístico que privilegiava o status e a consciência de que a Arte deve ser, acima de tudo, algo superior ao prazer gratuito de existir e não uma manifestação desse mesmo prazer. A minha pergunta, nesse momento, passou a ser: porque não criar alguma coisa nova, diferente, que faça sentir ao Humano que, mais do que a palavra escrita, a Poesia é, acima de tudo, a Vida que se Vive? Vida cósmica, Vida amorosa, vida de alegria e partilha. Porque não fazer ver a esse mesmo Humano que a poesia se faz e realiza nesse mesmo corpo que se movimenta, ama, olha, escreve, pinta, canta? Referindo-me a uma frase maravilhosa de João Barrento, "quem chega a encontrar a resposta (...), muda de vida". (1) E foi uma mudança profunda que aconteceu: uma mudança que me levou ao desencantamento do mundo que rodeia a minha Arte para me embrenhar ainda mais naquilo que a minha Arte efectivamente É: Presença, alegria, partilha, dádiva, Vivência.

 E essa dimensão vivencial de toda a obra artística, essa dimensão que se realiza num prazer cenestésico de escrever e de ler, de dar e receber, de mostrar e ser mostrado ao mundo revelou-se encantadora e me fez mais consciente de certos assuntos que, antes, não me despertavam nada. Comecei a interessar-me mais por política, não obviamente no sentido partidário ou limitativo, mas no sentido de que precisamos de estar atentos ao que se passa no mundo e ao que se passa no corpo e no coração das pessoas que habitam esse mundo. No fundo e como eu escrevi algures, o Humano é um corpo contínuo e o mal que fazem a uma partícula desse Humano reflecte-se numa partícula distante desse mesmo Humano. Matando um Irmão matam a totalidade da minha pessoa. Rolando Toro tinha uma magnífica maneira de dizer essas palavras:

"tu deseo es mi deseo
 mi deseo es tu deseo
que el paraiso no sea um sueño
que cada dia respiremos la brisa del paraiso
pues tan solo um relampago de violencia contra nuestro hermano
basta para que se apague la sonrisa e ja no tengamos jamas el paraiso"

Rolando Toro

Escrever será, nesse caso, mais do que escrever. Será transformar as palavras em actos, em vivência, em plena partilha. E é uma luta. Exige uma certa disciplina. Muita disciplina mesmo. Não julgar. Não desqualificar. Olhar olho no olho e qualificar a Presença do Rosto que está à nossa frente. Assumirmos a Vida como um lugar mágico e abandonarmos o terrível conceito de vidinha, tão presente em muita da poesia portuguesa e em tantos outros ramos do conhecimento. É devastador para esse mesmo Humano que a Vida, em todas as suas particularidades, não se possa assumir como grandiosa e é devastador para essa mesma Vida que se propague e defenda uma escrita que não qualifique o melhor que a existência tem: estarmos Vivos e plenos de nós mesmos: grandes, pequenos, sorridentes, tristes, perfeitos, imperfeitos, humanos. Somos nada e somos o Todo que nasceu nas estrelas, há biliões de anos atrás, numa súbita loucura do carbono que se lembrou de inventar uma coisa chamada Vida.

Chamem-me louco por me desencantar da Morte e querer voltar a sentir-me vivo. Eu adoraria que fizessem isso!

Milhares de abraços a todos!

Jorge Vicente

(Este post pertence à 2ªfase, BC Amor aos Pedaços. Mais informações no blog da Rute, da Rô ou da Luma.)

(1) aqui: http://escrito-a-lapis.blogspot.pt/

22 comentários:

Roselia Bezerra disse...

Olá, Jorge

"Tu és o orvalho que me beija"...
(Meliss)

Em pleno período pascal nos reencontramos para tecer o nosso Desencanto... entrelaçar partilhas de coração a coração...

Não sei se teremos outros participantes ainda mas só sei que Deus me foi bom uma vez mais ao me deixar ler o seu por último...
Bem se diz que os últimos serão os primeiros... certamente!!!
Seu post calou fundo em minh'alma!!!
Uma ressonância linda teve em meu coração o que disse sobre Poesia e vou lhe dizer que, numa frase, eu me "desmanchei":
"Olhar olho no olho e qualificar a Presença do Rosto que está à nossa frente."
Uma das coisas que aprendi sobre Cristologia é justamente isso: A Humanidade de Cristo...
Me reportei logo a isso ao ler o seu post...
Essa é uma das razões pelas quais o Desencanto não dura pra sempre... é um erguer de olhar e vislumbrar o verdadeiro valor do ser humano na sua essência... e o perdão acontece e o Encanto rejuvenesce!!!
Sua postagem eu estava precisando ler hoje... para Encantar-me de novo com a vida... com a minha própria vida e criações poéticas que Deus me inspira...

Obrigada por sua participação linda e nos vemos no próximo mês se Deus quiser!!!
Bjs de Paz e Esperança junto com o meu carinho fraterno

"Meu coração orvalhado
pleno de gratidão,
agradece a Deus"...
(Élys)

jorge vicente disse...

Linda amiga, que maravilhoso comentário o teu!!!!

Abraço-te com muito carinho!!!!
Jorge

Elvira Carvalho disse...

Um post muito bom, uma dissertação que li e reli tentando entender melhor.
Em suma o seu post sobre desencanto me encantou.
Um abraço e uma boa semana

jorge vicente disse...

Maravilhosa Elvira,

muito obrigado pelo seu encanto!!

Muitos e muitos abraços!
Jorge Vicente

Isabel de Matos disse...

Belo texto, o seu, sentido, profundamente vivido, lúcido, poético, amoroso... grata por partilhar as suas vivências connosco.
Tenho uma amiga que é facilitadora de biodanza, Vera Cavaleiro, talvez o Jorge conheça.
Um grande abraço
Isabel

jorge vicente disse...

Muito boa tarde, Isabel.

Conheço muito bem a Vera!

Muitos abraços no seu coração!
Jorge

Isabel de Matos disse...

Só depois, a explorar um pouco o seu blog, é que reparei que vivemos na mesma freguesia, somos vizinhos! :) O mundo é pequeno... ;) Talvez este 1º contato se venha a desenrolar numa bela partilha de vivências.
Um abraço!
Isabel

Luma Rosa disse...

O mundo é político e enxergamos somente aquilo que a nossa limitação disponibiliza. Não mais, não menos...
Não sei qual é o conceito que faz de "vidinha", mas eu bem queria ter essa vidinha... vida simples, o que teremos para o almoço e para o jantar, travesseiros cheirando a lavanda e o esquecimento proposital de que, "o mundo artístico que privilegiava o status e a consciência de que a Arte deve ser, acima de tudo, algo superior ao prazer gratuito de existir e não uma manifestação desse mesmo prazer". Não me desencanto, porque não valorizo certos pensares, mas admiro a capacidade de descarte da atração pela morte, afinal, vivemos no limiar, no risco de perder nosso bem maior todo o tempo.
Obrigada pela participação e já lançado o tema para a nova fase!
Boa semana!!

RUTE disse...

Olá amigo,
li o teu texto mal publicaste, mas segui a regra de comentar por ordem de chegada. E só agora consegui chegar até aqui, na 52ªposição :)

Ficou divino o teu texto. Melhor que a encomenda! Sem duvida, super original para ilustrar o tema Desencanto.
Não tenho muito mais para dizer. Já disseste tudo e muito bem dito!
Obrigada do fundo do coração por te engajares na coletiva.
Abraços e beijinhos.
Rute
P.s.-A chamada para a 3ªfase publiquei ontem

tecas disse...

Meu querido, levantei-me para te aplaudir! Sei muito bem ao que te referes e mereces uma vénia. « Somos nada somos o todo» e a vida é para ser partilhada. Uno-me a ti a essa loucura. Excelente o teu texto. Olhar para fora com os olhos de dentro. Sublime. Beijinho para o meu poeta de elite e uma flor.

jorge vicente disse...

Na mesma freguesia? Que maravilha!!!

Milhares de abraços para ti!
Jorge

jorge vicente disse...

Querida Luma,

em Portugal a palavra "vidinha" tem um sentido pejorativo, pelo menos para certas pessoas. Tem o sentido de uma vida que não vale a pena ser vivida, tem o sentido que o quotidiano não vale nada se comparado com Algo Maior. Tem um sentido de desalento, de desesperança e um sentido de que existe uma vida pequena e uma vida maior. Na minha opinião, é uma noção dualista, que separa a Vida em dois, quando a Vida ela própria não pode ser separada. A vida simples é sempre uma Vida cheia, a vida dos pequenos problemas também é uma vida cheia porque nos ensina a ser humanos. Não há verdadeira separação e eu vejo como tantas pessoas só acreditam nessa mesma separação!

Mas tento não me desalentar tanto com risco de me afastar das pessoas. Acho que, provavelmente, o que devemos fazer em relação a certas pessoas que promovem esse desalento é amá-las ainda mais, amar com elas e ensiná-las a cheirar mais as flores.

Muitos, muitos abraços
Jorge

jorge vicente disse...

Um abraço para a minha amiga de sempre!

Gosto muito de ti, querida Teresa!

Jorge

jorge vicente disse...

Querida Rute,

obrigado!

Tenho mesmo de ver o que se segue!!!!

Milhares de abraços!
Jorge

Zilda Santiago disse...

Desencantar-se com a morte não é dfícil,já que ela não existe!!Parabéns pela blogada.

OLHAR CIDADÃO disse...

Jorge Vicente

Bom dia

Grande alegria em atravessar os "mares" da Internet, e, "DESCOBRIR" esse belíssimo blog.

Completam-se hoje 512 Anos que Pedro Álvares Cabral descobriu o Brasil, e, na minha opinião, essa é uma data de grande orgulho para brasileiros e portugueses.

Estou adicionando o seu link ao post sobre a blogagem coletiva DESENCANTOS, lhe agradecendo o prazer que me deu com sua visita e comentário.

Deixo o convite para que leia a matéria que publiquei hoje no Blog http//:007bondeblog.blogspot.com.br sobre o DESCOBRIMENTO E O REDESCOBRIMENTO DO BRASIL.

Grande abraço

jorge vicente disse...

Querida Zilda,

eu falei em desencantamento com a morte porque muitas pessoas continuam a sentir-se mortas em vida, mesmo quando escrevem. Quando privilegiam a técnica pura e dura à autenticidade, o não demonstrar os sentimentos à afectividade. E, nesse sentido, acho que a morte existe, sim.

No sentido de que fala, tem razão. Só existe Vida.

Muitos e muitos beijos para si
Jorge

jorge vicente disse...

Bom dia! Irei logo ver o post! Muitos abraços para ti!!!!

Jorge Vicente

Flora Maria disse...

Que dizer diante desse texto tão profundamente belo ?

Fico eu cá com a minha vidinha simples - simples no bom sentido, claro! - vivendo permanentemente encantada com a vida, e tentando esquecer os desencantos que ela também tem.

Parabéns pela participação !

jorge vicente disse...

Querida Flora,

podemos não nos esquecer, mas reverenciar também esses momentos porque são esses momentos que nos fazem ser humanos, mesmo apesar das perdas. E, quando se está sintonizado é tão simples ser Humano!

Muitos beijos e abraços para si
Jorge Vicente

Francisco Coimbra disse...

Na variedade de registos em que gostas de espraiar a tua sensibilidade, deixo na areia desta praia, marcas de quem ficou lendo a p_rosa até ela dar lugar ao aroma... ao que se liberta! Um cheiro de liberdade e vontade de viver, muito bom! Abraço

jorge vicente disse...

Obrigado, meu amigo.

Muitos, muitos abraços para ti!!
Jorge Vicente