as quatro práticas do zen
(pintura de alexandre renoir, "night lillies", s/d)
"O acesso pela prática designa as quatro práticas que condensam todas as outras. Quais são? Como reagir ao ódio; viver em conformidade com o Karma; evitar qualquer vínculo; viver em perfeita harmonia com o Dharma.
1. Que significa «reagir ao ódio?» O praticante da Via, deve, na adversidade, reflectir o seguinte: Durante inúmeras vidas, desprezei o essencial a favor do acessório. No decurso de múltiplas existências, causei infinitos prejuízos e acumulei ódio e ressentimento. Mesmo não tendo praticado alguma má acção nesta vida, a infelicidade que vivo é a justa retribuição de antigos delitos de que agora colho os frutos. Não se trata de um castigo infligido pelo Céu ou pelos poderes sobrenaturais. Se aceitar tranquilamente este facto, as causas desaparecerão por si próprias. Está escrito num sutra: «Não te atormentes na adversidade. Porquê? Porque não lhe compreendes a origem.» Quando esta consciência se elevar em vós, vivereis de acordo com o princípio e a vossa aceitação do ressentimento ajudar-vos-á a progredir na Via. É este o significado de «reagir ao ódio.»
2. «Viver em conformidade com o Karma» significa perceber que os seres não têm eu e são movidos pelas complexas circunstâncias kármicas. Acolhei de igual forma sofrimentos e prazeres, porque eles resultam dos vossos actos passados. Se eu for retribuído pelas honras da fama, estas têm o seu fundamento no passado pelo processo das causas interdependentes, mas o seu efeito manifesta-se agora. Esgotado este impulso kármico, desaparecerá o seu resultado. Por que nos havemos de rejubilar com isso? Ganhar ou perder dependem do Karma. O espírito não conhece acréscimo nem diminuição, o sopro da alegria não se altera, permanece sempre de acordo com a Via. Por isso, vos exorto a viverdes «em conformidade com o Karma.»
3. «Evitar qualquer vínculo» significa não ter nada por desejável. Os homens extraviados da Via não deixam de cobiçar alguma coisa. Eis o que se entende por «procurar». O sábio capta a verdade autêntica e compreende que na sua essência, ela se opõe a qualquer verdade convencionada. O seu espírito, graças a não agir, permanece serenamente no não criado e deixa o seu corpo evoluir no jogo das causas interdependentes. Consciente da vacuidade de tudo o que existe, nada mais é desejável para ele. Luz e trevas sucedem-se. O samsara no seio do qual vivemos há tanto tempo é uma casa em chamas. Todo o ser possuidor de um corpo sofre; sendo assim, quem poderá encontrar o descanso? Ao tornar-se consciente disto, o sábio deixa de se preocupar com o futuro e de se prender com a existência. Está escrito num sutra: «Onde existe desejo, existe sofrimento. A ausência de desejo é felicidade.» Eis porque ensino a nada procurar.
4. «Viver em perfeita harmonia com o Dharma» subentende perceber-se que o Dharma é na sua essência puro e, de acordo com o princípio, todas as características específicas, estando vazias de substância, não apresentam nenhuma imperfeição nem vínculo, nem eu nem outro. Está escrito num sutra: «No Dharma, nada existe porque é imune às imperfeições da existência, a qualquer subjectividade, porque é imune à imperfeição do eu (ego).» A conduta dos sábios, quando percebem esta verdade e comungam com ela, está «em harmonia com o Dharma.» Como o Dharma, desprovidos de qualquer desejo de posse, os sábios são por natureza pródigos, não poupam nem o seu corpo nem a sua vida nem os seus bens; nunca se cansam de ser generosos, tanto nos actos como no espírito. Perfeitamente conscientes da vacuidade do Triplo Mundo, são independentes e desprovidos de vínculo. Tendo eliminado de si mesmos todas as impurezas, estão em posição de purificar os seres, é esta a sua vontade. Já não se enganam com as aparências. Assim é a intimidade das suas vidas. O proveito que conseguem é proveito para o próximo e sabem mostrar-lhe a Via da Revelação. Praticando o dom, praticam em simultâneo as outras cinco Perfeições. Se praticam as Seis Perfeições (o dom, a moralidade, a paciência, a energia, a meditação e a sabedoria transcendente) têm o objectivo de se libertar das noções ilusórias, mas praticam-nas inconscientemente. É quando se pratica o inominável que se pode «viver em perfeita harmonia com o Dharma.»" (1)
jacques brosse
(1) BROSSE, Jacques apud ISHI - Karma e Reencarnação. Carcavelos: Angelorum, 2003. ISBN 972-8680-73-2. pg. 30-32.
4 comentários:
Ao fim de dois anos, estou de volta a estes caminhos. Ao dar uma vista de olhos pelo último "post" feito no outro local em que anteriormente publicava, encontrei um comentário teu. Não cheguei, na altura, a vir visitar-te porque a paragem foi abrupta. Agora que o faço encontro um espaço que me agrada de forma particular. O que aqui se diz, especialmente neste texto faz sentido para mim.
Voltarei, em breve.
Obrigado por me trazeres a ler-te nesta preciosidade...
Bjs
Dolores
e o que tem significado, caro amigo, é o que tem mais valor.
ainda bem que voltou!
um grande abraço
jorge
e que preciosidade, minha querida amiga!
uma grande joca
jorge
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