24.10.12

a bondade





(quadro de will barnet, "youth" (1970)


"O amante da bondade, porém, jamais pode permitir-se viver uma vida solitária; e, no entanto, a vida que ele passa na companhia dos outros e por amor aos outros deve permanecer essencialmente sem testemunhas; falta-lhe, acima de tudo, a companhia de si próprio. Não é um homem solitário, mas isolado; embora conviva com outros, deve ocultar-se deles e não pode sequer permitir-se a si mesmo ver o que está fazendo. O filósofo pode sempre contar com a companhia dos pensamentos, ao passo que as obras não podem ser companhia para ninguém: devem ser esquecidas a partir do instante em que são praticadas, porque até mesmo a memória delas destrói a sua qualidade de «bondade». Além disto, o acto de pensar, por poder ser lembrado, pode cristalizar-se em pensamentos; e os pensamentos, como todas as coisas que devem a sua existência à memória, podem ser transformados em objectos tangíveis que, como a página ou o livro impresso, se tornam parte do artifício humano. As boas obras, por deverem ser imediatamente esquecidas, nunca podem tornar-se parte do mundo; vêm e vão sem deixar vestígios; e não pertencem claramente a este mundo.

É este carácter extramundano das boas obras que faz do amante da bondade uma figura essencialmente religiosa e torna a bondade, como a sabedoria na antiguidade, uma qualidade essencialmente inumana e sobre-humana. E, no entanto, o amor à bondade, ao contrário do amor à sabedoria, não se limita à experiência de poucos, da mesma forma que o isolamento, ao contrário da solidão, está ao alcance da experiência de todos os homens." (1)

(Hannah Arendt)


(1) ARENDT, Hannah - A condição humana. Lisboa: Relógio d'Água, 2001. ISBN 972-708-637-3.  p 89-90.

17.10.12

"long black train" (lee hazlewood)





(fotografia de Jean-Christian Bourcart, da série "traffic" (1999-2003)


"Back when I was ten Jim was my best friend
We'd go down to the station and watched the trains come in
The long black train the long black train

Some day I told my friend we'll ride that train and then
We'll make a fortune for ourselves and we'll ride it home again
The long black train the long black train

As we grew older Jim grew wilder than the wind
He robbed the bank in our hometown and they sent me after him
On the long black train the long black train

And so I cut my friend twelve men convicted him
Ninety nine years is what he got I'll bet it seems like a hundred to Jim
He'll miss the long black train the long black train" (1)

Lee Hazlewood



(1) retirado do cd de Lee Hazlewood, Trouble Is a Lonesome Town (1963)

9.10.12

"interlúdio" (azevedo silva)



(pintura de marc chagall, "sisyphus, from l'odyssee II" (1974)

"Eco.
Eu.
Só eu.
Sonha.
Só eu.
Ser eu.
Só eu.
Ego.
Eco.
Eu." (1)

Azevedo Silva


(1) retirado do CD de Azevedo Silva, Autista (2008)